Alice On
Acordo pela manhã com o sol, que entrava pela pequena janela da cabine, batendo em meus olhos. Levo um pouco de tempo pra me situar no local e identificar a garota sobre a qual eu estava deitada. Tyler. Fico a observando um pouco enquanto ela ainda dormia. Felizmente eu me lembrava de tudo o que acontecera noite passada. Tudo.
Tudo.
Meu Deus.
Num pulo eu saio dos braços quentes e acolhedores de Tyler.
Ela acorda assustada com meu movimento repentino.
- Dia. - Ela fala esfregando os olhos com as costas das mãos. - Calma, garota. Você tá bem?
- O CARRO DA MINHA MÃE! - Grito, descendo as escadas.------------
Rebocado. Eu tinha estacionado bem na frente de um hidrante maldito. Eu estava totalmente absolutamente, realmente ferrada.
Eu não sabia como iria tirar o carro da minha mãe do reboque e se ela descobrisse que eu havia pegado ele e que o rebocaram da frente de um bar. Meu Deus. Eu precisava de um plano. Felizmente ela voltaria daqui a dois dias.
Pego o celular do meu bolso. Era um milagre ele ainda se encontrar ali.
- Drew?
- Alice? Você não suporta ficar muito tempo sem falar comigo, não é?
- Oh sim, claro. - eu digo com um voz de deboche - Eu preciso da sua ajuda mágica.Me sento na calçada e fico esperando Drew chegar. Eu ia precisar da ajuda dele. Mais de 7 bilhões de pessoas no mundo e, graças a Deus, meu único amigo era o gay mais conhecido naquela cidade e consequente conhecia várias pessoas e sempre tinha um jeitinho pra resolver tudo.
Eu estava quase definhando naquela calçada e as pessoas com certeza já estavam pensando que eu era uma mendiga.
Algum séculos depois eu vejo uma figura alta vindo na minha direção. Ele tinha um estilo vintage maravilhoso: usava uma uma bermuda jeans escura, uma blusa clara larga, um tênis vans, um chapéu redondo que caia perfeitamente nele e, claro, o óculos escuro redondo. Ele sorriu.
- Você daria uma ótima mendiga, já pensou em seguir essa carreira? Se eu não te conhecesse eu juro que deixaria um trocado pra você. - ele diz rindo discretamente.
- Cala a boquinha e me ajuda a levantar.
Ele estende a mão e me puxa.
- Então, eu vim pensando no caminho e, pra sua felicidade, e ao contrário de você, eu conheço muita gente e tenho muitos amigos. Só precisamos saber pra qual depósito o carro da sua mãe foi guinchado e, claro, alguém com alguma experiência em furtos, porque teremos que ser discretos.
- Você está transformando isso em um super operação especial.
- Você quer minha ajuda ou não?
- Eu não tenho nenhuma outra opção, idiota.
- Pois bem, vamos realizar uma pesquisa de campo e, talvez, hoje á noite já vamos poder ir pegá-lo. Até porque precisamos ser rápidos e tirar ele de lá antes que coloquem ele nos registros e apliquem a multa.
- A multa, meu Deus, não tenho nem um tustão pra pagar.
- Certamente, - ele diz com um ar de culto - porém você tem a mim, pequeno gafanhoto, e eu também não tenho dinheiro mas nós não vamos precisar disso.
- Ok, e eu acho que eu sei de uma pessoa que pode nos ajudar com isso.Tyler On
Alice sumira do farol. Tentei a seguir, ou perguntar o que ela queria dizer sobre o carro de sua mãe, mas a menina simplesmente saiu às pressas da cabine, e começou a correr desastrosamente.
Chamo-a duas vezes. Depois desisto. Ela já estava sóbria e sabia o que estava fazendo (provavelmente).
Pego O Mágico de Oz e continuo lendo ele. Cada metáfora do livro me atingia como uma adaga, e lembro do trecho que lu para Alice para fazê-la ver um outro mundo.
Ouço alguns barulhos, e antes mesmo que eu consiga me levantar, vejo a cabeça de Alice adentrando na cabine. Uma voz masculina a acompanhava.
Eu realmente não acredito que ela trouxe mais gente pro farol.
A olho um tanto irritada e tento disfarçar que estava lendo novamente.
Ela se atira no chão ao meu lado.
- Bom dia, a noite ontem foi ótima! - ela fala rindo, dando um soquinho no meu ombro. - Precisamos conversar.
- Mal acabaram de ter uma ótima noite de sexo lésbico e você já vem com esse papo de "precisamos conversar", Lice? Ela não fez o serviço direitinho? - Drew fala com as mãos na cintura.
- Seu desbocado! Porque eu ando com você mesmo?
- Porque você é uma anti-social emogotica trevosa sem amigos e só tem a mim, seu único e verdadeiro amor. - ele responde dando pulinhos gays.
Alice chuta a perna enorme dele e ele desaba no chão. Juro por Deus que pensei que o farol ia desabar junto.
Enquanto Drew gemia grunhidos de dor, a menina se voltou para mim.
- Então... tenho uma proposta pra você.
- Ele... Ta bem? - Pergunto sem dar importância ao que Alice tinha dito.
- Vai ficar. Tenho uma proposta - ela repete e me encara, com um sorriso tentador.
- Ta bem. - Falo me rendendo. - Qual a proposta?
- Preciso da sua ajuda - ela da um pausa - pra roubar um carro.
Eu congelo por dentro. Uma coisa era pequenos furtos: uns chocolates aqui, uns doritos ali. Mas um carro? Ela estava louca nas drogas ou que?
- Você só pode tá brincando, né? - Pergunto sem acreditar no que ouvi.
- Bom, o carro é meu, ou da minha mãe, que seja, então tecnicamente não seria um roubo. - ela pega minhas duas mãos como se estivesse suplicando - Tay, por favor, minha mãe não pode descobrir que eu peguei o carro dela, e muito menos pode saber que ele foi guinchado. Ela tem arritmia, se ela souber disso pode até ter um ataque e partir desse mundo. Pense na saúde dela Tay, vamos, você quer que eu fique órfã? Ajude uma alma condenada.
Órfã. A palavra entrou em mim como se fosse uma bala a toda velocidade que saíra de uma pistola, da pessoa mais mal intencionada do mundo. Sinto meu rosto entristecer, então olho pra baixo.
- Tem a ver com ontem a noite, quando saímos do bar? - Eu pergunto com a voz falhando.
- Bom, você ainda não ouviu a minha proposta toda. - ela fala pondo as duas mãos nas minhas bochechas.
- Se você falasse... - falo enquanto ela tira as mãos das minhas bochechas. - Talvez eu fosse saber ela inteira. Prossiga.
Ela arqueia a sobrancelha.
- Eu te ajudo a encontrar seus pais verdadeiros.
Estremeço. Olho para Drew a fim de ver se ele tinha notado algo, mas ele estava vasculhando o local, distraído. Olho para Alice. Lembro de que queria mesmo encontrar meus pais verdadeiros. Mas o que diria pra eles? O que faria quando os visse, como os encontraria?
Hesito várias vezes e algum empurrão de coragem me agarra.
- Topei. - me arrependo no mesmo momento. - Não. - Olho pra baixo, desapontada. Qual seria a outra chance? - Quando?
Ela sorri vitoriosa.
- Hoje mesmo. Eu preciso de você, porque eu sei que você muito... silenciosa.
Drew se aproxima.
- Primeiro preciso que você procure em qual depósito o carro se encontra. Eu sei que em todos esses depósitos tem cães vigias, pode ser clichê , mas se não quisermos ser pegos ou morrer, vamos ter que comprar carnes. E tem as câmeras também, mas Alice e eu daremos um jeito. - ele da um suspiro - e você, meu bem, nos avise o mais rápido possível qual o depósito.
- E eu te dou todas as informações que você precisar pra encontrá-lo, tipo, "O PROBLEMA NÃO É O QUE FIZERAM COM VOCÊ, MAS O QUE VOCÊ FEZ COM O QUE FIZERAM" escrito bem grande no para brisa traseiro do carro.
Drew e eu rimos.
Alice revira os olhos.
- Coisas da minha mãe, ela acha que o motorista do carro de trás pode estar precisando de uma frase de auto-ajuda.
- O importante é que façamos isso antes das quatro horas. - ele diz firme.
- Por que antes das quatro? - Pergunto sem entender. - Então vou ter que levantar... Agora? - Pergunto preguiçosa.
- Nem um motivo específico, só pra determinar uma hora exata pras coisas estarem feitas. As pessoas são assim, aparentemente precisam de regras pra seguir se não tudo vira uma bagunça. - Ele da mais um de seus suspiros - levanta logo dessa... dessa... - ele hesita - desse monte de lençol.
- Vai com calma, gazela. É minha cama. - Falo irritada com a expressão de Drew.
Levanto do... Monte de lençóis (?) e desço as escadas. Espero eles descerem também, mas eles me acompanham somente até o final da ponte, e depois Drew me dá as coordenadas de como encontrar o carro e eles vão para o lado oposto ao que vou.Alice On
Entramos em um desses mercados espalhados pela cidade e vamos direto nos frios.
- Você acha que cães gostam de carne com mais gordura ou...
- É só pegar qualquer uma Drew, pelo amor de Deus.
- Parece que você está nervosinha, deve estar de TPM.
- Até parece que você não me conhece. Sabe que eu sou assim.
- É meu bem, mas às vezes você ta tão atacada e é quando você está de TPM, e claro que seu signo não colabora muito também. - ele diz enquanto caminhávamos pelas sessões de carnes vermelhas.
- Hoje é só um mal dia. - digo à ele meio cabisbaixa.
- É sobre seu pai, não é?
- Ele sempre me esperava acordar no dia seguinte ao natal, antes de ir trabalhar pra me dar o último presente.
- Ele te dava presente de Natal no dia seguinte ao Natal que não era mais Natal? - Ele me pergunta coçando o queixo.
- É, era como um presente especial. Eu guardo todos até hoje, mas o mais importante pra mim é esse - falo à ele, colocando minha mão pela gola da minha blusa e capturando um cordão de míssil.
- Um foguete?
- Um míssil, seu idiota! - dou um suspiro - significa "Amor que destrói barreiras".
Eu paro de andar um pouco e fico parada ali no meio de todas aquelas carnes. Drew para também e me abraça.
- Você não ficar na bad agora, vai? - ele diz, pondo a mão no meu queixo e erguendo minha cabeça. - Quem vai roubar um carro hoje, quem? É você! É você! - ele brinca com uma voz meiga.
- Nós não vamos roubar, já disse. Vamos recuperá-lo.
- Mas se os políciais nos pegarem, é isso que eu vou dizer à eles. - ele ri.
Não me seguro e solto algumas risadas tímidas.
- Como a sua soulmate deve estar indo?
- Soulmate? - pergunto confusa.
- Soulmate. Companheiro de alma. Alma-gêmea. A Tyler, Alice!
- A Tyler não é minha soulmate.
- Ela é, só que você não sabe ainda.
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Satellites
RomanceUm farol, duas meninas. Um só destino. "O problema não é o que fizeram com você; mas sim o que você fez com o que fizeram."