Capítulo 14

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"quer conversar?"

Sou tomada por uma súbita onda de irritabilidade inexplicável. Talvez estivesse irritada comigo mesma por querer chorar e falar tudo acumulado desde a morte dele, mas sempre me contenho por achar que ninguém merece ter que me aguentar sendo caóticaBARRAdramática, por consequência acho minha existência extremamente desnecessária, e por consequência acabo SENDO desnecessária.
- Não. - respondo sendo direta e, talvez, seca demais. - Na verdade acho melhor você ir embora.
Me levanto num pulo e vou em direção a porta.
- Valeu por hoje, mas você precisa ir. - Falo apontando para fora da porta.

Tyler On

É, pessoal, acho que esse foi o melhor dia da minha vida. "Você precisa ir" acabou sendo a frase com vários sinônimos em sua vertente que mais giram na minha cabeça.
Olho para Alice. Cerro os olhos e tiro o cabelo do olho.
- Tchau. - falo levantando da cama.
Desço as escadas um tanto rápido demais e, quando estava quase no fim, minha visão fica nublada.
Droga. Tinha esquecido que nos dias que eu só bebo e fumo, não posso fazer movimentos bruscos.
Dou um sorriso de canto, balanço a cabeça e desço os dois últimos degraus. Caminho cautelosamente desviando dos sofás enquanto ouço o barulho dos tênis de Alice baterem no chão pra descer as escadas.
Hora de ir rápido.
Em um salto, chego até a porta e bato ela. Saio em meio a neve rasa em direção ao Farol. O longínquo Farol. Durante a caminhada, acendo (com um pouco de dificuldade) um cigarro. Dou a primeira tragada.
Menta escorrendo nos meus neurônios.
Solto o ar.
Nicotina entranhada em cada átomo do meu nariz.
Continuo com o passo apressado, porque no momento, já não conseguia mais sentir os meus dedos dos pés. Chego na orla. Caminhada até o Farol. Subo as escadas, prendendo meu cabelo em um pedaço de ferro solto por ferrugem e quase arranco meu couro.
Finalmente, chego na cabine. Lar, doce lar. Meu cativeiro de criação de paranóias e pensamentos negativos.
A noite estava tão fria que minhas lágrimas escorriam como se fossem cristais de gelo. Nessa noite eu não quis ler. Ler me leva para lugares novos, ler me faz viajar em mim mesma. Eu só queria curtir minha bad - ou minha coleção de decepções - em paz.
Acordo com o sol fraco da manhã batendo em meu rosto.
- Bom dia, elfos do jardim da tristeza. - sussurro depois de ficar um tempo pensando em uma frase legal.
Mesmo sem querer, lembro do rosto de Alice. O rosto da Alice enquanto estava quase desmaiando no meu abraço. Não tinha muito a ver com a tensão de ontem. Tinha a ver com a forma como ela sempre tentava ser uma leoa, mas sempre de tornava frágil, e meus braços adoravam, de certa forma, sustentar ela.
Sacudo a cabeça quando percebo que ainda estava pensando nela.
Desço a escada e sento na ponte da orla. Fico ali pensando, sentindo o vento e sua força imensurável me puxar pra trás, depois pra frente... Depois pra trás de novo.
Deixo uma lágrima escapar, deito a cabeça sobre as mãos e escuto a madeira da ponte ranger. Eram passos. Me esforço o máximo pra secar todas as lágrimas e esconder o rosto a fim de fingir que não percebi a chegada e que não era a garota que morava na cabine logo acima.
- Oi - a menina diz, monossilábica e meio acanhada. - trouxe comida.
Quando ouvi aquela voz, estremeci. Voz da Alice. Olho para trás, e não era nada que eu tenha inventado. Alice realmente estava ali.
Meu primeiro impulso era sair dali e demonstrar que estava chateada pela noite passada, mas meu orgulho não trabalhou bem. Levanto, calada, e dou um abraço naquele corpo magricelo.
- Que bom. - forço um sorriso. - estava com fome já. Quer subir?
- Se não for nenhum incomodo... quero.
Estamos perto. Sinto um cheiro de doce emanando da garota. Sinto também a insegurança em falar comigo. Talvez ela estivesse arrependida do que fez ontem.
- Sigam-me os bons. - falo quase gaguejando. Subo as escadas, meio trêmula. Não saberia dizer se estava tremendo por conta do impacto que essa menina tem no meu dia, ou por estar há um tempo sem comer.
Sento na cabine, empurro os livros pro outro lado e faço sinal para que Alice também sentasse. A luz que entrava pela porta da cabine agora circulava o corpo dela.
- Tá tudo bem com você?
- Sim. Trouxe pão, queijo e uma garrafa de café. - ela balbucia as palavras enquanto tira as coisas da sua pequena mochila listrada. - não é muita coisa, mas você não pode reclamar. Você tá bem? - Ela fala, finalmente olhando pra mim.
Percebo que olhava profundamente para suas mãos enquanto tirava as coisas da mochila. Sacudo a cabeça para tentar distrair, e então também a olho no olho.
- Não reclamaria. Eu estou ok, tirando minha coluna que parece estar se descolando dos meus músculos. - desvio o olhar dela e olho para as comidas que ela trouxe. - Seria uma lástima se eu odiasse queijo, mas ainda bem que eu comeria meio quilo reclamando que é pouco.
- Desculpa por ontem. - Alice joga o pedido de desculpas na minha cara. Assim. Simples. Sem mais nem menos. É como se ela não aguentasse mais segurar e de repente PUF.
- Que isso, eu tava oferecendo ajuda só pra ser gentil mesmo, não faz mal... - eu fico reticente e meus olhos, marejados. - Não foi nada, sério.
Minha voz começa a embolar e eu balanço a cabeça de novo, dessa vez, por mais tempo.
- TPM. - falo com um sorriso forçado.
- Se vamos ser amigas eu espero que você entenda esses meus surtos repentinos e mudanças de humor. Não faço por mal. Juro.
- Se não faz por mal, por que eu sinto como se quisesse que eu fosse embora da sua vida pra sempre e que sirvo só pra ajudar? - não aguento segurar a mágoa.
- "Não faz mal." - ela repete o que eu havia falado. - Ora ora, parece que afinal de contas faz sim. Tay, você já leu Quem É Você, Alasca?
- Mesmo com o fato de John Green me dar sono, já li sim. - Falo. - Acho que talvez seja melhor você saber que eu me importo pra eu não ter que ficar uma noite toda... - repenso. Grudo meus lábios e me seguro. - o que tem a ver com o livro?
- Você precisa entender que eu sou uma pessoa profundamente infeliz. - Ela sorri ao citar o livro da menina que. spoiler: não teve últimas palavras. - depois disso, creio eu que, não precisaria falar mais nada. - Alice da um longo suspiro antes de continuar. - mas caso você não tenho entendido: eu sou uma pessoa profundamente mal-resolvida. Às vezes perco o controle e passo essa imagem de querer expelir as pessoas da minha vida. Mas não é totalmente verdade. Às vezes eu quero elas bem juntinho de mim.
E lá estava ela. Rindo. Deus, essas mudanças de humor.
Não consigo deixar a cara de surpresa escapar. Provavelmente levanto as sobrancelhas e olho pra algum lugar além do alcance dos meus olhos.
- Uau. - volto meu olhar para ela, que agora, até seus olhos sorriam junto. - Ainda bem que não tenho mais nada a perder e estou disposta a enfrentar essa.
O assunto foi acabando com o tempo, até que eu e Alice resolvemos tomar o café da manhã. Encho meu pão com queijo e coloco um copo quase transbordando de café na frente. Alice havia feito café exatamente do jeito que gosto: forte, mas com uma quantidade considerável de açúcar.
Tomamos o café da manhã em silêncio, até que tomo coragem de quebrar aquele nada que estava acontecendo.
- E então, como aconselhas que comecemos a procurar meus pais?

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⏰ Última atualização: Feb 16, 2017 ⏰

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