Capítulo 8

60 6 0
                                    

Tyler On

  Acordo em um pulo quando ouço barulho dos meus pais chegarem em casa. Pego a mochila e pulo pela janela e vou correndo até chegar a quadra seguinte.

  Desacelero os passos, sem pressa pra chegar até o Farol.

  A mesma caminhada de sempre me parecia cansativa. Chego na ponte que dá até o Farol e vou correndo até ele.

  Juro que depois de ver Alice ali, tenho medo de chegar e outra pessoa estar dominando meu habitat.

  Subo as escadas.

  Tudo como havia deixado: as cobertas tapavam as tralhas, e a caixa estava em cima da coberta. Todo o resto da cabine vazia.

  De volta para meu lar.

  Sento e arrumo minhas coisas; faço o travesseiro com os livros, e tiro o resto deles e as bagunças debaixo da coberta, colocando-as do meu lado. Abro a mochila, coloco a carteira de cigarro, o salgado e os cereais em cima da caixa.

  Fico jogando no celular até ver o horário.

  23h55m.

  Que dia mais que especial! Minha vontade era de sair pulando por aí, desejando feliz natal pra cada alma carente que passasse por mim na rua.

  Ou quebrar algumas louças na parede e deixar os cacos ali atirados; sempre funciona assim. Fazem a bagunça toda, e ninguém nunca está disposto a limpar; não é à toa que sou o lixo que sou.

  Abro a carteira de cigarro pensando em quais os motivos pro espírito de natal não ser personificado, assim talvez eu tivesse uma companhia. Um tanto infantil e irritantemente otimista, mas ainda teria.

  Coloco o cigarro na boca.

  Acendo e apago o isqueiro cinco vezes antes de acender o cigarro.

  Não costumava fumar sempre, mas sempre que fumava, tinha essa espécie de ritual: não que eu tenha aprendido, mas minhas manias me obrigaram a isso.

  Sinto o primeiro fragmento de substâncias químicas adentrando minha traqueia no momento que puxo o ar. Aquilo me dava enjoos, mas eu sabia que eu iria fumar mais uns quatro, até desabar na cama com ânsias de vômito pensando coisas do tipo "por que eu continuei fumando se eu já quase morri no primeiro cigarro?".

  Se arrependimento matasse, eu teria várias mortes súbitas. Até mesmo quando me arrependia de arrepender de algo.

  Um. Dois, três. Três e meio. O resto do terceiro cigarro eu jogo pra parte não-habitada da cabine e deito de lado.

  "Hoje vai ser um grande dia!"

  Lembro da fala do meu pai. No tom da voz do meu pai. Do último dia de natal que passei junto a eles, há 2 anos atrás.

  Meu pai estava bêbado e bateu o carro no meio fio umas cinco vezes. Minha mãe estava muito arrumada. Seu cabelo loiro fazia meus olhos brilharem. A cada batida, uma exclamação. Minha mãe já estava farta daquilo e saiu do carro. Abriu a porta de trás, onde eu estava, atirada como uma boneca de pano e calada como um ser inanimado. Ela me pega da mão e me leva em uma lanchonete, que ficava ha alguns metros de onde deixamos meu pai. Ele ficou ali, sem falar nada.

  Eu e minha mãe comemos em silêncio até acabarmos. Ela pagou a conta e fomos embora.

  Eu queria muito que alguém viesse pra minha vida me provar que não é sempre que as coisas dão errado, não é sempre que temos que suportar dores que nos deixam mais fracos ainda.

  Mas essa pessoa seria destruída pela minha desconfiança, assim como eu fui pela vida.

  Talvez não tivesse passado de 00:15, e eu já estava com os cinco oceanos fluindo nos meus olhos.

  Sinto o enjoo aumentar, e como se tivesse levado um soco no estômago, vomito poucos centímetros fora do cobertor.

  Deito novamente exausta e durmo até sentir a neve entrando na cabine.

  Beleza! Natal em Stamford.

Alice On

  Dia de natal. Fico em casa fazendo vários nada. Vou pra cozinha e ligo o forno com o peru dentro. É claro que eu não ia comer, mas todos os natais eram assim; gostava de fingir que tudo estava indo bem, então arrumava a mesa e fingia que minha mãe chegaria logo pra colocarmos a estrelinha no topo da árvore de natal que nós duas montamos juntas. Só que não era bem assim. Eu montei a árvore hoje de manhã. Sozinha. Minha mãe não iria chegar pra abrir os presentes comigo e depois devorar a ceia de natal.

  Depois de arrumar tudo, subo para o meu quarto e levanto o colchão da minha cama. Tinha um lugarzinho secreto que eu guardava algumas coisas ilícitas. Pego de lá um maço de cigarro e uma garrafa de vodka. Ainda bem que não tomei os remédios hoje; uma overdose não cairia bem agora. Ou talvez sim.

  Fico perdida nesses pensamentos por um instante. Não é muito bom quando eu começo a pensar coisas assim.

  Desço as escadas e sento no penúltimo degrau ao lado da árvore de natal. Acendo o cigarro de uma maneira toda especial. Eu não era de fumar muito, só em datas comemorativas.

  Dou um trago. Fecho os olhos e por um instante, eu me sinto leve quando solto a fumaça.

  Sorrio.

  Olho para aquela coisa enorme ao meu lado e me lembro da outra coisa enorme que era o Drew que tinha me ligado mais cedo gritando no celular um "Feliz Natal cheio de crush's novas". Ele não poderia passar o Natal comigo já que teria que viajar com a família; mas talvez seja melhor assim. Eu combino com a solidão.

  Volto meus pensamentos para a árvore novamente e me levanto para pegar a estrela que está em uma caixa que tínhamos desde que meu pai era vivo.

  Pego a estrela e me estico ao máximo pra colocá-la ali. Era mais fácil quando meu pai me levantava.

- Você é uma superheróina. - ele dizia - E agora você vai voar e colocar essa estrela no topo da árvore para que o nosso natal seja ótimo. Você pode fazer isso por mim? Eu não alcanço.

  Eu dizia que sim. Nunca me cansava disso.

  Ele me levantava pela cintura e eu voava até o topo do pinheiro e colocava a estrelinha lá.

  Aquela vontade de chorar de novo toma conta e eu me apresso em colocar a Estrela.

  Finalmente consigo e volto a me sentar na escada. Já era noite e eu fico imaginando como deve estar sendo o natal das pessoas lá fora.

  Dou mais um trago no cigarro. Olho pra árvore.

- É... - digo à mim mesma deixando a fumaça exalar pelo ambiente. - Feliz natal.


================================AUTHORS MESSAGE====================================

Esse foi o nosso especial de natal depressivo dark suave de Satellites. Esperamos que tenham curtido,  obrigada! E não se esqueçam: PÕE O AMENDOIM NO BURACO DO AMENDOIM!

ARÁ 

Feliz natal! Comam doritos e sejam felizes!

E café!




Satellites Onde histórias criam vida. Descubra agora