Capítulo Dezoito

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Na manhã seguinte, acordei exausta. Não havia dormido a noite toda por conta de meus pensamentos. Vesti-me e desci para o café da manhã.

- Onde estavas a noite toda, Annemarie? - papai perguntou sério, sentado à mesa. - Não a vi uma grande parte do jantar.

- Fiquei no jardim com Melanie e Courtney, papai. - respondi calma, tentando não esboçar reação nenhuma que pudesse me entregar.

Mamãe me olhou desconfiada quando olhei em seus olhos. Ela sabia que eu estava fazendo algo de errado. Papai calou-se e concentrou-se em seu café. Adoriabelle apenas observava a floresta e sorria de uma forma estranha, alegre de mais.

Eu conhecia minha irmã, algo havia acontecido.

Depois do café, papai ordenou que fossemos para seu escritório para conversarmos a sós com ele.

Ele ajeitou sua roupa de veludo verde escuro e começou a falar:

- Já devem saber que nossa partida está próxima... Está tudo praticamente organizado e o meu veredito foi dado. - disse ele parando de andar de um lado para o outro, agora me encarando. - Annemarie, Alphonse ficará em meu lugar. É um rapaz de confiança. O rapaz não busca nos prejudicar. Confiarei a ele meu lugar enquanto estiver fora, após isto ele sairá do trono, caso algo aconteça comigo ele assumiria meu lugar. Não pensem que ficarão sem minha herança caso algo aconteça. Annemarie se casará com Alphonse então poderá desfrutar de toda a herança e Adoriabelle terá todo o direito também enquanto não estiveres casada com um homem nobre.

Então papai explicou todos os motivos pelos qual ficariam fora. Era muito complicado e fiquei entediada em tentar entender, apenas entendi que era para negociar com algum outro país.

Em alguns meses eles partiriam e haviam grandes chances de não voltarem. Era um longo caminho à navio. Haviam grandes chances de falecerem de alguma doença, mesmo com médicos abordo, ou então morrerem em alto mar por conta de tempestades, fome ou cede. Eram grandes as chances de não voltarem então apenas nos restava esperança de que voltassem. E eu tinha certeza que minha vida sem mamãe não seria nem um pouco boa, e Alphonse rei francês? Não era uma boa ideia.

Eu não seria obrigada a casar com Alphonse. Ele apenas assumiria o trono e o público acreditaria que ele era meu marido. Mamãe havia convencido papai, odiava quando ela o convencia porque sabia que ela quem sofria depois. Ele era um homem agressivo e tinha seu jeito difícil, igual ao meu, também odiava ser contrariado, talvez por isso não nos dessemos bem.

Não haveria casamento como todos os outros. Apenas haveria um jantar com todas as classes juntas, apenas para parecer que casamos.

Era assim que papai queria que acontecesse.

Não queria casar com Alphonse, nem que fosse de mentira. Ele agiria como se eu fosse sua mulher. Teríamos que dormir na mesma cama e fazer tudo o que os outros casais fazem. E eu não queria isto.

Novamente, passei o dia todo sem ver Victorine, havia tempos em que não a via. Gostaria de saber onde estava e o que fazia naquele momento. Eu não estava livre também para vê-la. Estávamos todos ocupados resolvendo assuntos da viagem do rei. Tudo o que se comentava na cidade de Paris e em toda a França era a partida do rei. Estava próxima e todos estavam nervosos com isso. Papai governava desde que meu avô, Filipe, havia falecido, e deixar o país com um jovem rapaz de vinte e quatro anos, era preocupante. Não sabiam o que ele faria com o país, nem quais suas ordens, mesmo que ele devesse cumprir as leis e ordens do rei enquanto o rei fosse declarado vivo durante a viagem - apenas após sua morte poderiam ser alteradas. E eram grandes as chances de Adoriabelle e eu nos tornarmos órfãs.

Alphonse não era um mau rapaz, porém, insistia em nosso relacionamento, e havia conquistado a confiança de papai, algo que eu nunca quis. Eu sempre odiei quando as coisas não eram do meu jeito, e isto não estava sendo como eu queria, não queria Alphonse, eu queria... Bem, apenas não o queria e eu realmente não o queria, e isto estava me irritando muito.

Assim comecei a tocar uma melodia que eu escutava mamãe tocar, eu sempre a observava tocando esta música e havia aprendido as notas apenas a observando tocar. Ela nunca havia me falado o nome, assim, eu não sabia. Mas era uma música encantadora.

Comecei a tocá-la. Ouvi berros de papai na cozinha, não eram comigo, devia ser com alguma criada, então ignorei e continuei a tocar, me concentrando na melodia.

De repente meus ouvidos ficaram surdos a qualquer outro barulho, exceto a música.

Senti alguém colocar a mão em meus ombros, me senti confortável com aquelas mãos em mim. Vagarosamente me virei.

Era mamãe.

Quando toquei a nota final ela sorriu de um jeito carinhoso, sorri de volta, porém com uma tristeza no olhar:

- Estás bem, querida? - ela me olhou preocupada - Sei que não está. - ela acariciou meu ombro - Não fique assim. Dará tudo certo.

Fiquei em silêncio com os olhos enchendo de lágrimas, pensando em Victorine. Sentia falta dela, incrivelmente eu estava sentindo falta de alguém.

Era triste viver em um lugar onde tudo era errado, onde você não podia contar nada que era julgado, tinha mais problemas contando do que se guardasse eles para você.

Ela encostou o queixo no topo de minha cabeça.

- Adrien! - um grito assustador de meu pai ecoou pelo castelo, direto da cozinha.

Ela me soltou e andou rápido a caminho da cozinha, rapidamente sumiu no corredor iluminado pelas lamparinas. Todas as vezes em que tinha mamãe só para mim algo atrapalhava.

Voltei a tocar o piano, não tinha o que fazer além de tocá-lo.

Estava cansada dessa vida solitária e controlada. Talvez preferisse ser criada mas ser alegre, do que ser uma princesa mas ser solitária.

Pelo menos os pobres sorriam, mesmo quando papai tirava até seus últimos centavos.

- Princesa Annemarie. - uma voz feminina me chamou, uma voz conhecida... Aquela criada...

- Sim? - respondi pondo a mão em cima do piano, estava me sentindo estranha, estava nervosa, meu coração estava disparado. Não queria me virar para ela. Tinha medo do que veria. Não queria ver o que eu, ao menos, não sabia ao certo o que era, mas que tinha medo de me virar e me surpreender e sabia que me surpreenderia.

- Vosso pai pediu para que viesse avisar-te, senhorita, que o jantar não será servido à mesa esta noite. Para que a senhora dirija-se a cozinha e peça as cozinheiras para preparar-lhe um prato. - sua voz parecia nervosa ao falar comigo.

- Por que não será servido? - perguntei me segurando para não virar.

- O porque o rei não quisera dizer. Disse apenas que teria que resolver algumas coisas.

- Ah... - sentei de lado no banquinho olhando para o chão. Pelo canto dos olhos vi sua silhueta.

Senti um arrepio e não pude resistir.

Não consegui evitar minha surpresa ao ver seu rosto.

Não era possível...

Um Conto de Fadas ModernoOnde histórias criam vida. Descubra agora