Episódio 5

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               O pessoal da Delegacia do Setor 12 costumava chamá-los de "Os Malucões". Já eles se chamavam de "A Grande Dupla".

Eram quase sempre os primeiros a chegar aos locais de conflito. E sempre ultrapassavam os turnos obrigatórios de serviço. Esticavam suas patrulhas. E isso porque adoravam percorrer a sua "zona de caça", como a chamavam, em seu blindado. E, mais ainda, Zuca e Bazu gostavam da companhia um do outro.

Zuca era mais jovem. Seu posto era na torre, operando o holofote, o canhão da rede e a metralhadora. Tinha uma pontaria nervosa, dispersa. Mas, gostava de apertar os disparadores. Além da arma na torre, tinha a sua metralhadora portátil, para quando saía do blindado, em ocasiões especiais.

Bazu era o veterano da Delegacia. Cuidava das comunicações e pilotava o blindado. Era famosa a facilidade com que guiava por entre os monturos mais altos e íngremes, pressentindo as fossas movediças, e atravessando em velocidade as crateras.

- É o único jeito de pegar os pivetes! – dizia. – Depois que enxergam nossas luzes, enfiam-se em suas tocas. Somem! Precisamos ser rápidos.

As demais equipes reclamavam que um ataque deveria ser uma operação de equipe. Que, se os veículos dessem o bote juntos, cercariam as presas e haveria capturas para todo mundo. Do jeito como Zuca e Bazu se lançavam à frente, afugentavam os bandos, que conseguiam se dispersar. Além disso, queixavam-se dos dedos soltos de Zuca, na metralhadora da torre.

- Não estamos na rua por diversão! – argumentavam. – Ninguém compra pivetes mortos!

No entanto, jamais abriam a boca para criticá-lo cara a cara. Ou para falar mal de um na frente do outro.

Zuca era um jovem corpulento, talvez exageradamente grande para caber na apertada cabine da torre. Piscava os olhos sem parar, ria meio descontrolado, e quando fazia isso esfregava compulsivamente sua metralhadora portátil, pressionando-a contra o baixo ventre. Muitos colegas da delegacia teriam se recusado a tê-lo com o parceiro.

Ainda mais confinados dentro de um blindado, sob calor infame, submetidos ao abafamento do ar e ao fedor das ruas, à névoa que fazia os olhos, narinas, garganta e pulmões arderem.

Frequentemente, os demais tiras da Delegacia 12 pediam a Bazu para controlar seu parceiro. Mas, o veterano se limitava a dar gargalhadas. Não via nada de errado com Zuca. Se ele dava calafrios em seus colegas, "era porque aqueles moleirões não estavam nas ruas nos velhos tempos, quando a coisa pegou pra valer!".

E exigia:

- Deixem o garoto em paz! E daí se ele cantarola, quando está disparando sua metralhadora? É um cara feliz! Que tem de mal nisso?

Naquela noite, Bazu estava mais feliz ainda com seu parceiro. Afinal, ele havia lançado a rede com precisão. Uma garota e um garoto. Os dois estavam de olhos arregalados, apavorados, abraçados, chorando baixinho. O garoto protegia a cabeça da garota no peito, evitando olhar para seus captores.

- E aí? – indagou Zuca.

- Ninguém vai poder reclamar desta vez – disse Bazu, satisfeito. – Estão vivos. Debaixo da sujeira, são bonitinhos. Sem cicatrizes no rosto, Nenhum olho furado. Só estão muito magros.

- Hum... – grunhiu Zuca.

- Duas semanas de engorda na delegacia, antes de passar ao comprador do Condomínio. Daí, a grana melhora.

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