Episódio 15

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                  Havia um mês que os funcionários que trabalhavam no bloco da administração do complexo chamado Condomínio Fortificado Atlântica Sereia só se referiam à novidade como "a paixão do chefe".

Era o Supervisor, como era tratado, ou Senhor Supervisor, o Diretor de Instalações da Região Meridional/B. Ou seja, o responsável pela administração do Condomínio Atlântica Sereia, um empreendimento que servia de sede a inúmeras empresas, dividas pelos diversos blocos, e de residência para seus executivos na Torre das Mansões Verticais.

Havia quem especulasse que era estrangeiro, já que exibia um certo sotaque. Mas, um sotaque que variava de acordo com seu estado emocional. "Pode até ser daqui mesmo. ", havia quem comentasse, já que os stakeholders estrangeiros – mesmo os que, tendo nascido ali haviam migrado para fora, de onde comandavam a Corporação Global – costumavam usar operadores-chefes locais, melhor situados no contexto com que tinham de lidar.

Se as corporações instaladas nas regiões meridionais era notório que, particularmente na Meridional/B, somente alguém muito familiarizado com o peculiar emaranhado de propinas e negociatas dos burocratas e autoridades nativas poderia fazer os negócios avançarem ali.

E a verdade é que poucos tinham contato constante com o Supervisor. Vivia entre seu gabinete e a cobertura do prédio – seus aposentos privados. Sempre o descreviam como carrancudo, absolutamente absorvido pelo trabalho, como qualquer outro executivo – e mais viciados eram nas suas funções quanto mais elevado o cargo que ocupavam.

Por isso, todos os funcionários a par do assunto estranharam quando o Supervisor designou a categoria A1 para a mais nova aquisição do Departamento de Lazer Executivo (DELEX – que muitos funcionários teimavam em chamar de DÊ-SEX). E isso, mal pôs os olhos nela. Afinal, era uma garota magrinha, de cabelos lisos, da qual não puderam saber sequer o nome, para registrar no banco de dados, já que ela se recusava a falar.

Na categoria A1, a garota estava dispensada dos serviços domésticos habituais. E somente o Supervisor poderia requisitar sua companhia. Para tanto, dispunha de um apartamento totalmente equipado, na sua cobertura. Assim, ela não fora instalada no dormitório do DELEX, ocupado das demais garotas, categorias A2 e A3, que os funcionários haviam apelidado de harém.

Além do mais, como uma deferência inédita até mesmo para uma A1, fora designada uma camareira para atender à "paixão do chefe" – a Chokita. Era uma veterana no condomínio e que, se não fosse aquele novo posto, teria sido realocada para um centro de lazer de funcionários não qualificados.

Esse último privilégio espantara de vez os assessores do Supervisor, e os tornaram ainda mais reticentes ao comentar o caso. Pressentiam que o grande homem ficaria furioso, se escutasse qualquer coisa. Ninguém ousaria, por exemplo, perguntar ao chefe como ficava sua permanente obsessão por cortar custos, diante de uma despesa extra dessas, não prevista no orçamento. E a cautela era bem fundada.

Afinal, havia "situações", como diziam, "bem piores do que a Meridional/B, onde pelo menos as instalações funcionais dos condomínios, são de primeira classe e não há resistência contra as determinações das Corporações"...

Em alguns casos, verificava-se resistência armada, por parte de grupos rebeldes, insurgentes, quando não insurreições abertas nas ruas e zonas rurais. Falava-se até mesmo de um supervisor regional, em outro continente, que fora assado dentro do seu bunker, explodido e posto em chamas, junto com todos os executivos de sua equipe. Mas, isso poderiam ser boatos. Não houve comunicação oficial a esse respeito. Enfim...

"Dane-se! Se o Supervisor resolveu se apaixonar por uma das aquisições do DÊ-SEX, problema dele. Faça bom proveito!"

Entretanto, o próprio Supervisor começava a sentir desconforto, com aquela história. A seu ver, o Condomínio era uma cidadela perfeita, extremamente lucrativa, graças aos serviços que prestavam. De eficiência infalível. Dali, executivos e técnicos poderiam gerir e manter em funcionamento unidades produtivas totalmente automatizadas – sem emprego de mão de obra, nem empecilhos trabalhistas, como os que enfrentavam na Sede. Não tinham de montar centrais de atendimento a consumidores e clientes, e, na verdade, nem mesmo formalmente vigoravam por lá códigos de defesa do consumidor. Todas essas preocupações haviam sido abolidas. E, dispensados de custos com preservação ambiental, gastos de retorno à sociedade, promoções beneficentes, patrocínios culturais e esportivas, e outros, os negócios prosperavam.

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