Episódio 2

48 1 0
                                    


O gerador de energia elétrica da delegacia continuava soltando fumaça. Estava nas últimas. Irritado, e depois de mais de duas horas tentando inutilmente consertá-lo, o detetive Zeromeia deu-lhe uma cusparada e retornou à sala do plantão.

- E aí? – perguntou o delegado Zerossix, com os fartos pelos do peito saltando fora da camisa aberta e mesmo assim suando desesperadamente. – Já podemos ligar o ar-condicionado?

- Só se for para explodir de vez aquela porcaria. Cheira forte a queimado, o motor está travando e por dentro é só ferrugem. Nada mais encaixa direito! Uma buraqueira!

- Então, vamos ter de continuar com as janelas escancaradas!... – suspirou Zerossix. - Respirando esse ar nojento!

Zeromeia fez uma careta. O cheiro das ruas invadia a delegacia. Grudara-se nas paredes, nas roupas deles. Era insuportável.

- Quando é que nosso patrocinador vai se convencer de que precisamos de outro gerador? Entre outras coisas...

Zerossix deu de ombros. Estava cansado de escutar aquela mesma reclamação de seu subordinado. Pegou num canto um pequeno aparelho de tevê e começou a colocar as pilhas nele. Tirava sempre as pilhas, depois do uso, para poupá-las.

- Não me diga que vai assistir ao programa político de hoje! – esbravejou Zeromeia. – Que desperdício de pilhas!

- A esta hora, é só o que passam na tevê. Lembra dos programas de antigamente? Shows, novelas...? Pelo menos, com a tevê ligada, o plantão fica menos chato.

- Mais tarde, tem os desenhos animados.

- A tevê é minha. As pilhas também. Dá licença?

Zeromeia desistiu de discutir. Foi para sua mesa redigir mais um memorando ao patrocinador.

PARA:

SUPERVISÃO DO CONDOMÍNIO FORTIFICADO ATLÂNTICA SEREIA

DE:

DELEGACIA SETOR 12

ASSUNTO:

REPOSIÇÃO DE EQUIPAMENTOS

- A resposta vai ser como das vezes anteriores – grunhiu Zerossix, sem precisar olhar para o detetive. Já sabia o que ele estaria fazendo... O que sempre fazia... – Já têm o carimbo pronto: "INDEFERIDO POR CORTE DE CUSTOS"...

- Pelo menos, eu tento.

- É... – Zerossix soltou um escandaloso bocejo. Mas, a seguir, lembrou-se: - Ah... Recebi um comunicado pelo rádio, agorinha. Parece que um bando está fazendo uma barulheira enorme, numa das áreas da orla marítima.

A imagem da tevê estava borrada de chuviscos. O som era fanhoso. Zerossix tentava sintonizar melhor, mas o aparelho de tevê não ajudava.

- Quer que eu mande um blindado para lá? Acho que os malucões estão na ronda de hoje!

- Ah, os malucões... sim! Peça para trazerem algum prisioneiro vivo, desta vez.

- Se fosse tão fácil, já estávamos ricos. Aqueles pivetes sabem andar por aí. São silenciosos como baratas. Espalham sempre vigias. Quando vêem as luzes do blindado, dão alarme e todos fogem. Cada um para um lado. E é difícil avançar com um blindado no meio do lixo. Tem ainda os buracos... Se a gente tivesse helicópteros, como os seguranças dos condomínios da Zona Oeste...

- Só que não temos! – cortou Zerossix. – E nosso trabalho é assim. Se estiver cansado, peça demissão!

Zeromeia bufou. Quase explodiu. Por precaução, a mão direita de seu chefe, discretamente, correu para a coronha da pistola, no coldre. Tudo isso sem olhar para o subordinado.

A HORA DAS SOMBRASOnde histórias criam vida. Descubra agora