Episódio 16

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                O comunicador no pulso do Supervisor vibrou suavemente. A reunião esperava por ele para começar. Ele pressionou um pequeno botão na microtela e disse, secamente:

- Já vou!

A seguir, retirou-se, sem dizer nada, nem voltar de novo os olhos para Liana. Por todo o tempo, a garota o havia ignorado. Não levantou sequer a cabeça do livro que estava lendo. Chokita, que estivera observando, entre idas e vindas para cuidar de seus afazeres, surgiu dos fundos do apartamento com cara de preocupação. Não se conformava com a atitude de Liana:

- Patroa! – exclamou, reprendendo-a, logo ao entrar. Mas, Liana, iguialmente, ignorou-a. Choikita balançou a cabeça e disse: - Ele ainda vai se cansar dessa sua teimosia. Aí, a vida boa acaba. Para nós duas. O que ele está querendo que pode ser tão ruim assim para a senhora? Ele poderia forçar, entende? Não faz isso! Ele é bom!

Liana engoliu em seco. Mas, conteve-se, não respondeu. Estava confusa. Percorreu a sala com os olhos, detendo-se na estante. Reconhecera aqueles livros. Lera alguns deles com seu pai, em voz alta, para ele escutar. Ou então ele é que os lera para ela. Eram momentos só deles, em que o pai parecia muito feliz. Apesar de, vez ou outra, ter se voltado subitamente para ele, ao pressentir que ele estava chorando. Mas, as lágrimas que desciam do rosto dele tinham uma estranha beleza. Eram lindas lágrimas.

Feito as que escorreram pelas faces da garota, agora.

Que tinham como fundo, o seu sorriso.

- Não é que as outras garotas passem fome aqui... Não! – insitia Chokita. – Tanto que ninguém quer ir embora. Voltar pras ruas? Um pesadelo. Nem pensar. E você não ia gostar do harém, patroa. Não tem o que tem aqui. Nem de longe! A senhora está querendo largar a sorte grande. E se for parar num centro de lazer, então? Pior ainda.

Liana mal a olhou. Chokita balançou a cabeça, resmungando. Retirou-se, então, por instantes, e retornou trazendo um dos presentes que o Supervisor dera a ela. Liana nunca a tocara, aquela blusa de seda vermelha e rendas, quase transparente. Por provocação, Chokita a deixou sobre um dos sofás da sala. Sempre que o Supervisor a prevenia que iria fazer uma visita, a garota insistia para que Liana a usasse.

Daí, fazia questão de apregoar a maciez do tecido. Mas, Liana, invariavelmente, de tudo o que havia nos armários, apegara-se a uma calça jeans desbotada, larga e confortável, tênis planos e camisetas básicas.

Chokita se encarregara de explicar para Liana todas as comodidades que havia naquele apartamento. Por exemplo, numa saleta anexa, enorme telão de tevê, que se abria como se planasse no ar acoplado ao som ambiente, brotando dos rodapés. O Condomínio colocava à disposição dos clientes cinco centenas de canais do mundo inteiro, além de uma imensa seleção de filmes e programação variada. Liana gostava de assistir aos desenhos animados e a algumas transmissões internacionais de esportes – mesmo sem entender a maioria dos jogos. E Chokita não perdia a chance:

- Antes de vir trabalhar para a senhora, eu nem sabia que tevê existia. No harém não tem disso. E na rua é pior. A gente passa fome. E fica doente, como quando a senhora chegou aqui.

No terraço, a piscina tinha regulagem de temperatura a gosto, e podia receber água direto de uma cascata, num jorro forte, espumoso, além do minitobogã e do maroleiro, para criar movimentos na superfície.

O quarto tinha uma enorme cama redonda, com lençóis que deslizavam sobre a pele, e espelhos nas paredes e no teto. Liana se sentia espiada ali. Por isso, às vezes, dormia sobre o tapete da sala, para horror de Chokita. Havia ainda o programador de refeições, na tela do qual se poderiam encomendar diferentes pratos, de um cardápio que mudava toda semana. E ainda os diversos frigobares, um em cada ambiente, com sucos de frutas, refrigerantes, e os pratinhos de doces, bombons e balas, trocados diariamente.

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