Episódio 13

17 0 2
                                    

                Úgui passara o último dia sentindo tonturas fortes e vomitando. Mas, começava a reagir. Seu organismo estava acostumado àquele tipo de briga. Já o de Liana, não tinha as mesmas defesas.

- Aquele mar é envenenado, Liana. Tudo que é porcaria pára lá. Eu devia ter segurado você na hora, mas nem pensei. E eu fui chefe de bando. Eu não podia ter deixado você entrar na água.

Liana não parecia escutá-lo. Os olhos cerrados, tremendo incessantemente, a garota estava queimando de febre. Não aceitava comer nem beber nada.

E Úgui percebeu que pouco a pouco a estava perdendo. Os lábios dela já estavam rachados e pálidos. E logo ela cessou de reagir às tentativas dele de animá-la, e mesmo de se mover.

- Se fosse que nem antigamente... meu chefe me contou como era... Tinha lugares que tratavam de pessoas doentes. Eles curavam tudo, era só chegar lá e pedir ajuda. Você ia ficar boa no ato!

Úgui cobriu Liana com um resto de cobertor. Desde que ela ficara doente, mal saía do seu lado. Dormia pouco, sempre despertando, quando ela gemia. Mas, agora, precisava deixá-la por instantes e subir ao terraço do shopping.

De lá, girou os olhos em volta, uma paisagem que misturava o cinzento dos céus com a lama descorada e seca que recobria as ruínas do que fora um belo cenário urbano, décadas atrás. "Se ainda fosse como antigamente", pensou... "num desses prédios, ia ter quem salvasse a Liana..." Sabia que não poderia mais esperar para fazer alguma coisa.

- Vou dar um jeito nisso, Liana! - prometeu a si mesmo, voltando apresado para o abrigo onde deixara a garota.

Úgui montou uma padiola. Amarrada a sua cintura, poderia puxá-la e transportar Liana. Numa sacola, colocou água e alguns enlatados. Havia ainda um punhal, algo enferrujado. Precisava escondê-lo junto ao corpo para alguma emergência.

Subitamente, lágrimas começaram a rolar pelo seu rosto. O que estava fazendo, afinal? O que esperava encontrar lá fora?... E nem por isso interrompeu a tarefa.

- Eu... não sei se isso vai dar certo, Liana. Não sei... o que vai acontecer. Só que a gente não pode só ficar aqui, parado, esperando você morrer... né?

Já anoitecera. Úgui desceu pelas ladeiras até a praça onde, antigamente, ficava uma estação do metrô. Era o território do seu antigo bando. A estação já fora o esconderijo deles, mas havia desabado, muito tempo atrás. Se o pegassem, ele sabia o que ia acontecer... Náique iria fazer questão de tortura-lo pessoalmente, até a morte. Mas, era também a área que conhecia melhor. Talvez, pudesse passar por eles despercebido.

- Tem uns adultos que vivem escondidos, dentro dos prédios. Vivem no escuro, à noite. Só saem para catar comida. Meu chefe me contava histórias sobre eles. Alguém lá ainda deve se lembrar de como se trata de gente doente. Está ouvindo, Liana? Você vai ficar boa!

Quando os meninos ficavam doentes, no bando, pouco havia o que se fazer. Ou se curavam sozinhos, ou morriam. Mas sempre tinha quem cuidasse deles, dando água, amassando comida para que eles a engolissem, mantendo-os cobertos à noite. Só que Úgui adivinhava que isso não seria suficiente para Liana, e que a garota não conseguiria se curar sozinha.

- Você não nasceu nas ruas, Liana. É por isso... – murmurou ao ouvido dela. – Mas, eu vou dar um jeito. Eu já fui chefe de bando. Você vai ficar boa!

Chegaram à praça, onde ficava a antiga estação. E subitamente os instintos de Úgui dispararam. Ele desatou a padiola das costas e ocultou-a num recuo protegido. Agachou-se junto à garota, acariciou seu rosto e cochichou:

A HORA DAS SOMBRASOnde histórias criam vida. Descubra agora