Acordei com a cabeça pesada,meus sentidos estavam prejudicados,eu não tinha certeza de onde estava,me levantei da cama aos tropeços,me segurei na parede,olhei ao redor e reconheci meu quarto,minha visão se dividia em três,e eu não conseguia distinguir se era dia ou noite,arrisquei um passo e firmei meus pés,cheguei até a porta sem saber ao certo para onde estava indo. Me lembrava vagamente de uma conversa estranha que tive com meu pai na noite anterior,algo sobre uma viajem,sobre outro lugar,andei me arrastando até chegar na sala,minha mãe estava sentada no sofá,ela se levantou no instante em que me viu.- Anastásia,você devia estar dormindo.
-Eu... Eu não estou ?
Minha voz saía arrastada,minha visão estava turva de modo que tinha que espremer meus olhos para enxergar com clareza,o mundo estava tão trêmulo que duvidava da realidade,a ponto de pensar que ainda estava dormindo.
- Você está acordada Anastásia. - Minha mãe disse assustada.
Ela exitou em me tocar,minha mãe se movia lentamente,como se eu fosse um animal em posição de ataque e ela a presa,senti que suas mãos seguravam meus braços e me direcionavam para o quarto. Ela me colocou na cama,e se colocou a uma certa distância,o espaço entre nós me enchia de angústia,eu sentia que minha cabeça rodava e minha visão me pregava peças.
Via que ela colocava minhas roupas em uma sacola,lágrimas corriam pelos seus olhos,enquanto ela enchia um saco preto de roupas e sapatos que me pertenciam.
- O que você está fazendo ?
Ela não olhou para mim,continuou esvaziando minhas gavetas.
- Mãe,você não devia estar colocando minhas coisas em uma mala ?
Ela limpou suas lágrimas e me olhou com olhar ferido,como se eu a tivesse ofendido,ela pegou as sacolas e saiu do quarto,sentia minha respiração se extinguindo,meu corpo estava pesado e eu ultrapassava o limite da letargia.
Minha mãe me observava da porta,seus braços cruzados na altura do peito e seu rosto contorcido de tristeza. Não sabia ao certo porque ela era tão triste, sempre com tanto medo,se esgueirando pelos cantos.
- Você não vai precisar das suas roupas naquele lugar.
Minha mãe me deu as costas e saiu,eu sentia como se meu corpo estivesse se rasgando,meu peito ardia e minha garganta queimava,tudo se revirou dentro de mim,meu coração parecia ter caído no estômago e quase consegui sentir meus pulmões em minha garganta. Meu suor descia pelas costas e eu tive o mais doce e tranquilo pensamento de que ia morrer. Bem ali na minha cama. Cheguei a fantasiar meu funeral,minha mãe finalmente sorrindo,aliviada com meu descanso,meu pai chorando silenciosamente enquanto cantava nossa música pela última vez.
Aquele pensamento me acalmou.
Senti que mãos me pegavam,me contorci com o susto e as mãos se enrijeceram e me apertaram,eram quatro homens de branco,sorri porque não imaginava que os anjos buscassem as pessoas,senti que eles me carregavam para fora da casa.
Minha mãe se aproximou,sua boca colada em meu ouvido,me surpreendi com sua aproximação,mas entendi que era normal,as pessoas tendem a sentir falta quando morremos,e pensam em fazer coisas conosco que deveriam ter feito quando ainda estávamos vivos.
- Seja um garota boa,quanto mais resistir mais tempo vai ficar por lá.
Meu senso de realidade me bateu como um tapa,tomei consciência dos homens fortes que me seguravam,eles vestiam branco mas não havia nada de angelical em seus rostos,olhei para os lados e já estávamos na rua,vi uma ambulância com o motor ligado. Me debatia enquanto eles apertavam meus braços e me mandavam me acalmar.
- Me solta ! Por favor ! Mamãe,por favor,não me deixa ir.
Eu gritava tão alto que algumas pessoas saíram de suas casas,eles observavam minha luta em silêncio,eu chutava e tentava libertar meus braços,meus membros continuavam pesados e eu fazia toda força do mundo para movê-los.
- Senhora - Um dos homens de branco se dirigiu á minha mãe - Vamos ter que usar o sedativo.
- Faça o que for preciso. - Ela disse com a voz firme.
Eu a olhei com estranheza,como se de repente me desse conta de que ela nunca tinha usado aquele tom de voz comigo,nunca tinha sido firme,confiante,nem se quer tentava ser má. Ela só se esgueirava,se escondia pelos cantos como se eu fosse uma bruxa,como se eu fosse um demônio encarnado.
-Por que está fazendo isso ? Por que ?
Eu tentava ir em sua direção,mas eles me seguravam com força.
- Por que não me mata de uma vez ?
E então as palavras pularam da minha boca,dominaram a minha língua e foi como se um enxame de abelhas saísse,as palavras saíram para machucar,eu queria vê-la sentindo algo por mim,se me amasse ou se me odiasse,não importava,só queria que sentisse algo.
- Eu te odeio ! Eu te odeio ! Eu prefiro ir para o inferno do que continuar com você ! Você não é minha mãe ! Eu te odeio ! Eu não quero que você morra,eu quero que você viva infeliz para o resto da sua vida,eu não sei como meu pai está com você. Eu te odeio. Eu te ode...
Os meus sentidos iam se esvaindo,sentia meu braço dolorido,enquanto caía em um abismo escuro,eu só tinha forças para deixar meus olhos escorrerem,eu queria muito que meu pai estivesse ali,queria que ele me apertasse em seu peito e dissesse que tudo ficaria bem,eu queria não ser eu,queria poder nascer de novo,mas o mundo não é uma caixinha cheia de desejos,não é nada disso.
O mundo naquele momento era só o mundo. Girando e girando. Sentia que o universo me observava e não ria e nem chorava, só esperava o próximo ato.
Sentia que era observada,testada por algo maior,uma força estranha que se esgueirava por mim,que ironia estar falando de equilíbrio cósmico quando eu mesma já estava no limite da insanidade. Estava louca pela falta de amor,louca pela falta de mim. É verdade quando dizem que ás vezes o amor não basta,absolutamente importante e irremediavelmente irrelevante quando não se é recíproco. Mas se o amor não é suficiente,o que é ?
Os anjos de branco me colocaram na ambulância,e eu sentia que estava indo direto para o inferno.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Quem Sou,Maria Flor
RomanceDesde que nasci sabia que existiam possibilidades,números jogados na loteria,sonhos,ilusões,sanidade,loucura,amor. Poesia e arte.Medo. Mas acreditava na pluralidade,na sucessão de fatos que determinavam milhões de coisas. E foi só quando toquei o cé...