- Não é curioso ? - Eu disse para ninguém em especial - Como as pessoas choram pelas vidas dos outros.Eu passeva pela biblioteca em silêncio passando as pontas dos meus dedos pelas lombadas dos livros,sentindo o atrito e a poeira preencherem meus sentidos,fechava meus olhos ás vezes apenas para sentir todos aqueles destinos de vidas diferentes me abraçarem.
- Está falando das histórias ? - Alex perguntou.
Fiz que sim com a cabeça. Nossos olhos se encontraram e permaneceram conectados,e eu me perguntava o que faltava para Alex se jogar em mim e me beijar. Finalmente me beijar.
- Não faria isso. - Ele disse vagamente.
Meu coração se acelerou e eu não tinha completa certeza se havia apenas pensado naquelas palavras ou se de fato as havia expressado com minnha voz.
- O quê ? - Perguntei com o coração na mão.
- O que você disse - Ele se apoiou em uma das estantes - Chorar pela vida dos outros. Não acho uma coisa racional.
A penumbra que nos invadia e cercava conseguia deixa-lo ainda mais bonito do que já era,seus cabelos caíam sobre seus ombros,sua boca moldava seus dentes alinhados,sua pele ofuscava meus olhos. Ele parecia uma ilha isolada,na qual estava desesperada para montar abrigo.
- Você não se emociona ?
- É claro que sim. Mas isso significa me rasgar e sofrer ? Significa me fragilizar ? - Alex se aproximou deixando nossos narizes a centímetros de distância - Se emocionar não significa tomar as dores. E acho que você não deveria fazer isso. Não acha que já sofre demais ?
- Acho que só temos duas opções. Ou sofremos por nossas vidas ou pela dos outros. - Guardei com cuidado o livro que estava segurando - E nesse caso,prefiro sofrer pela vida dos outros.
- Ignora o que senti ?
- Eu não sinto.
- Mas que coisa triste ... Sabe,prefiro viver minhas dores reais do que ser feliz em míseras trezentas páginas.
Alex estava tentando me fazer discutir,ás vezes tudo o que ele queria era ver um pouco de dor correndo em meus olhos.
- Sofra você sozinho então,pelo menos sou feliz. Pelo menos entre trezentas páginas consigo saber como é,ser feliz.
- Sinto muito que viva de ilusões.
Alex se virou e foi embora,desaparecendo nas curvas e sombras da biblioteca.
Me sentia como um daqueles planetas distantes que li a respeito uma vez em um livro de astronomia,me identifiquei terrivelmente com ele. Seu nome é Plutão,distante,gelado,vazio e azul. Azul por toda a serenidade e harmonia que com muito trabalho ainda conservava. Azul pela monotonia e tristeza que meus dias arrastavam. Azul de infinito,como o céu ou o mar. Azul é a cor mais fria entre todos os outros tons. E mesmo sendo fria ainda me aquecia nas piores noites.
Costumava ver cores em tudo. Não porque de fato tinham cores,mas porque as via diferentes,se as paredes de meu quarto eram cor de ovo,então as via laranjas,se os corredores eram cinzas,os via verdes,se a comida tinha cor esbranquiçada,via um arco íris lindo.
E se o mundo era pálido eu me afundava em livros e poesias,eu me encharcava de letras e palavras,eu me queimava entre conhecimentos e histórias. Porque é como dizem,a linguagem poética brota da ruína,e a minha ruína se tornou o meu castelo.
Em alguns momentos me sentia tão apática que recorria ás feridas de meu próprio peito,me lembrava de minha mãe e meu pai,me lembrava da escola e dos amigos que nunca tive,abria essas feridas uma a uma,bem devagar,apenas para que pudesse sentir algo de novo. Nem que fosse ódio e frustração.Saudade.
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Quem Sou,Maria Flor
RomanceDesde que nasci sabia que existiam possibilidades,números jogados na loteria,sonhos,ilusões,sanidade,loucura,amor. Poesia e arte.Medo. Mas acreditava na pluralidade,na sucessão de fatos que determinavam milhões de coisas. E foi só quando toquei o cé...