Capítulo 1

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Senti suas mãos em meu pescoço antes mesmo que eu pudesse entender o que estava acontecendo. Ele usava uma máscara, mas seus olhos diziam mais do que uma expressão do rosto inteiro. Aos poucos, fui sentindo o ar me faltar. A força que ele usava em meu pescoço não aumentou. Não era a força que importava, mas sim o tempo. Meus olhos foram perdendo a força e se fechando lentamente. Meu corpo foi perdendo a capacidade de se sustentar. Senti que era ele quem me mantinha naquela posição. Aquele era meu último suspiro de vida. Meus olhos se fechariam pela última vez.

A máscara branca que cobria seu rosto tinha um ar sombrio, mas também de tristeza. Seus olhos tentaram evitar os meus, mas não conseguiram. Não era um olhar vazio. Era um olhar duro, cruel, frio. Mas tinha algo diferente ali. Eu podia ver que era algo que nem ele entendia. Foi tudo tão rápido que não tive tempo de sentir medo, apenas senti como se aquele fosse o fim. O meu fim. Lembrei-me dos meus pais e senti-me leve com a possibilidade de vê-los novamente. O olhar daquele homem, por mais estranho que pareça, me acalmava. Não procurei entender o que estava acontecendo. Ele me confortava. O meu assassino me confortava. Um assassino contratado para me matar. Sua frieza e competência denunciavam sua profissão.

~

Ao entrar em casa, nada estava fora do lugar. Tudo estava igual, do mesmo modo que eu havia deixado ao sair. Nenhum sinal de arrombamento. Ele era mesmo muito bom no que fazia. Em nenhum momento, percebi a sua presença. Entrei em casa e fui direto para o meu quarto, como de costume. Tirei a roupa ali mesmo e segui para o banheiro. Meu banho deve ter durado uns trinta minutos. Saí enrolada na toalha, sem imaginar que ele já estava lá, me observando de algum lugar invisível. Fui até a cozinha e coloquei no micro-ondas a comida congelada que havia comprado no caminho para casa. De volta ao quarto, deixei a toalha cair no chão – mania horrível que nunca consegui perder – e fui até o armário pegar um pijama. Escolhi o meu preferido, de estampa de gatinho, perfeito para a minha última noite. Fechei a porta do armário e, ao me virar, senti uma leve dor.

Suas mãos envolviam meu pescoço, mas não usavam muita força. Sempre achei que gritaria se me visse nesse tipo de situação, mas não consegui. Minha garganta estava presa, fechada. Tentei me livrar daquela situação debatendo o corpo, mas ele me segurava com seu próprio corpo, e, ali sim, usava mais força. Senti um cheiro agradável. Perfume. Nunca achei que um assassino de aluguel usaria perfume para "trabalhar". Mas ele usava. Era um cheiro forte, um pouco doce, mas muito agradável. Aquele cheiro também me ajudou a relaxar. Durante todo o tempo em que ficamos ali, naquela posição, seus olhos estiveram grudados aos meus. Eu não sei dizer o que senti naquele momento, mas sei que não foi raiva. Pude sentir que meu tempo estava se acabando, então entreguei meu corpo em suas mãos. Já não tinha mais força para sustentá-lo. Antes de fechar meus olhos definitivamente, tive a certeza de que havia algo diferente ali. Não para mim, mas para ele. Eu sentia em meu corpo que não era a primeira vez que ele fazia aquilo, mas não havia calma em seus olhos. Havia surpresa. Medo. Dúvida. Eu não era apenas mais uma para ele. Não era apenas mais uma morte em suas mãos. Antes que pudesse chegar a alguma conclusão, vi tudo ficar preto. Meus olhos estavam fechados.

Não vi a tal luz branca que é descrita por pessoas que tiveram experiência de quase morte. Não vi meus pais, nem minha tia, nenhum rosto conhecido. À minha frente, estava ele. Meu assassino. Senti-me tonta. Minha cabeça explodia em dor. Minhas pernas estavam fracas, assim como meus olhos. Conseguia mantê-los abertos por pouco tempo. Minha piscada estava lenta, mas pude ver uma movimentação. Ainda não conseguia entender muito bem o que estava acontecendo, mas tinha uma certeza: Eu não estava morta. Estava viva. Não muito bem, mas viva. Finalmente, ouvi sua voz.

— Você precisa se apressar.

Me apressar para quê? Num segundo ele estava me matando e no outro estava me mandando correr? Fiquei por mais alguns segundos ali, deitada, confusa. Ele se aproximou, ainda de máscara, me levantou e me colocou sentada no sofá. E foi só nesse momento que me dei conta de que ele havia me levado do quarto para a sala e me deitado no sofá. Chacoalhei a cabeça para tentar aumentar meu nível de consciência. Consegui, embora tenha aumentado também a dor. Então, percebi que havia uma mala ao lado do sofá. Ele segurava um copo em uma das mãos e na outra havia um comprimido.

— Você precisa sumir do mapa, entendeu? Toma isso.

Ele estendeu, em minha direção, a mão que segurava o comprimido, mas eu recusei.

— Se eu quisesse te matar, você já estaria morta. Agora, toma isso.

Novamente ele estendeu a mão com o comprimido. Eu peguei. Em seguida, ele me ofereceu o copo com água. Sua voz era grossa e firme. Parecia irritado.

— Vai melhorar sua dor. Aí tem algumas roupas – apontou para a mala. – O suficiente até você descobrir o que vai fazer. Seus documentos estão nessa outra bolsa. Seu passaporte também está aí.

Enquanto falava, ele bagunçava minha casa. Tirou sofá do lugar, virou mesa, jogou coisas pelo chão. Eu estava catatônica. Olhava para aquela cena observando todos os detalhes, tentando entender o que estava acontecendo ali, mas não conseguia dizer uma palavra. Só, então, percebi que estava vestida. Quando ele tentou me matar, no quarto, eu estava totalmente nua. Provavelmente, ele havia me vestido enquanto eu estava desmaiada no sofá. Por um minuto, parei para prestar atenção em cada centímetro do meu corpo. Respirei aliviada quando tive a certeza de que ele não havia me agredido nem feito coisa pior.

— Anda. Você não tem muito tempo.

Ele segurou em meu braço e tentou me levantar do sofá. Eu me levantei, mas, com força, soltei meu braço de sua mão. Num surto de loucura, taquei o copo nele e corri até a cozinha. Podia senti-lo atrás de mim. Peguei uma faca e o ameacei.

— Eu não vou a lugar nenhum com você. Quem é você? O que você quer de mim? – eu gritava. – Eu vou chamar a polícia. Vai embora. Vai embora, agora.

Com uma rapidez impressionante, ele tirou a faca da minha mão, me jogou contra a parede e segurou a faca contra meu pescoço.

— Você tem alguma ideia do que está acontecendo aqui? Alguém está querendo ver você morta. Eu fui contratado para te matar. Você precisa sair daqui agora e desaparecer do mapa.

Dessa vez, minha garganta não estava fechada. Ele não fazia força, apenas encostava a faca em meu pescoço. Eu podia falar.

— E por que você não me matou?

Ele soltou a faca ainda mais. Pude ver em seus olhos que ele não sabia a resposta para minha pergunta.

— Por que você não me matou? – Insisti.

Ele me soltou e voltou para a sala. Terminou de quebrar mais algumas coisas, pegou minha bolsa e minha mala e as jogou aos meus pés.

— Você está tendo mais uma chance de viver. Ou você sai daqui agora ou vou terminar o que vim fazer aqui essa noite.

Não havia tempo para pensar. Ele estava certo. Eu precisava ir embora. Peguei minhas bolsas e fui em direção à porta, mas, antes de sair, fiz mais uma pergunta.

— Quem mandou você me matar?

Ele permaneceu parado. Imóvel. Achei que sairia sem uma resposta. Já estava me virando para ir embora quando ouvi sua voz.

— Desconfie de todo mundo. Principalmente, dos que estão mais próximos.

Ele mexeu o corpo como se fosse vir em minha direção, mas não saiu do lugar. Foi só para me forçar a ir embora. E eu fui. Sem olhar para trás, entrei no elevador e, ao chegar na rua, chamei um taxi. Pedi que o motorista me levasse ao aeroporto. Ainda não fazia ideia de para onde eu iria, mas sabia que deveria ser para bem longe. Olhei pela janela, enquanto o táxi se afastava do meu prédio, e pude ver aquele homem me encarando, ainda dentro do meu apartamento.



ANNIE [Português]Onde histórias criam vida. Descubra agora