A caixa

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É um ambiente bem amplo e mal iluminado. A pouca luz que ali adentrava, era oriunda da porta principal da sala. Haviam poucas cadeiras. Umas eram tão velhas que o acento desgrudava-se facilmente do restante do que era para ser. Algumas pessoas caminhavam lentamente de um lado para o outro. A televisão era de aparência bem antiga, com um antena longa, mas que não evitava a chiadeira que saía pelo alto falante do aparelho. Era um caixote preto de plástico encardido pela ação do tempo. Há duas longas banquetas de madeira em frente a ela, no qual se aglomeravam alguns indivíduos que prestavam atenção no noticiário local. Não piscavam, pareciam querer estar em outro lugar que não ali.  Há por alguns cantos, plantas que clamavam pela luz do sol. O chão, era de um piso antigo, riscado pelas rodinhas das macas que iam de uma sala de repouso a outra. Enfermeiras, com imensos jalecos brancos, transitavam calmamente de uma ponta a outra do salão. O teto, era extremamente alto, quase inalcançável. Tinha um aspecto envelhecido, uma tinta branca amarelada e em certos lugares nem tinta havia mais. Algumas luzes cintilavam sem parar, outras estavam empretecidas, o que tornava o ambiente ainda mais sombrio. O esquecimento reinava em vários aspectos por ali. Alguns indivíduos definhavam no outro canto do salão. Não se tinha certeza se estavam vivos. O cheiro doentio impregna o ar desse local. É quase intragável, um ar pesado, triste. Em cima do balcão da recepção, havia mensagens de otimismo para quem já nem o tinha mais. Logo mais atrás do balcão, um armário de aço imenso habita uma parede solitária amarelada. Em cima dele, uma caixa. De papelão, de arquivo, com algo escrito em vermelho. Uma caixa mal cuidada, que não destoava do ambiente a que estava inserida. Mais à direita de quem se senta em frente ao balcão, mais armários de aço, menores em relação ao primeiro. Há milhares de pastas suspensas, cada qual com um nome. Cada qual, com uma história. Cada qual, com uma prescrição a ser seguida rigorosamente até o último suspiro, sopro de vida. Aqueles armários pertenciam aos vivos. Pelo menos, aos vivos que eram monitorados a cada seis meses ou que ainda não foram migrados de um armário a outro. E aquela pequena caixa de papelão, com uma palavra rabiscada em vermelho, era o lugar daqueles que já se foram. É a certeza mais assertiva de nossa existência. Mas, ali ela era visível, palpável, até demais. Escancarada a quem quisesse ler e ver. Quase como um alerta, aos que entravam desesperados e se deparavam diante dela, e que ainda investigavam suas reais condições. As pastas que dentro estavam, faziam parte de uma triste estatística oficial agora. Parei, olhei mais uma vez, e respirei pesarosamente. O fluxo de pacientes seguia seu rumo, sem ao menos entender que no fim, mofariam naquela caixa, em um canto qualquer daquele lugar, até serem enviadas ao arquivo central, para todo o sempre. Um ruído de alívio saiu dos meus pulmões e foi exalado pela minha boca. Agradeci por mais um dia vivido e por não ter chegado a hora ainda. Driblei a senhora gélida, com sorriso condescendente, que a todos conforta. Contudo, sei que ela está a espreita e espera pacientemente até conseguir o seu intento. Naquele lugar, o seu coração pulsa com vibrante alegria. Acredito que ela carrega a caixa de papelão de um canto a outro, questionando, incitando cada um que abre a porta principal, se está na hora de entregar os pontos e descansar eternamente em seus braços.

Delírios poéticosOnde histórias criam vida. Descubra agora