Velhos tempos

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Vejo o tempo passando e as crianças da família o vão acompanhando. Crescendo cada vez mais. O tiozão vai ficando para traz, deixando de lado o colorido e abrindo caminho para o preto. Fico no espelho assistindo o rejuvenescer dos meus cabelos... até ontem eu os encontrava castanhos, hoje os vejo branquinho feito neve. A casa que sempre foi lotada de criança, hoje se faz lotada de solidão, lotada de saudade. A maldade do tempo me roubou muitos parentes, pessoas que por muito tempo foram queridas.

Observo o silencio que se tornou essa casa e me recordo da barulheira que vaziamos aos domingos, quando recebíamos visitas dos nossos primos. Minha tia sempre muito caprichosa fazia questão de arrumar os moleques de forma socialmente. –Parecia que iam a igreja.

Foi ali naquele tapete da sala que um dia eu me assentei com meu irmão e brinquei de ser mais velho, brinquei de possuir bigode e barba, brinquei de ser pai. Era dali, daquela cozinha que o vento trazia o cheiro de feijão mulatinho, acompanhado do estalar que fazia a carne na frigideira e, também o barulhinho da panela de pressão, que por muitas vezes me deixou irritado. Mas naquele momento se fazia canção os meus ouvidos. O rádio em cima da mesinha que usávamos como centro, anunciava que o circo estava na cidade. Os meus irmãos não paravam de sonhar com o domingo, o dia em que a tia iria nos levar.

A mãe sempre cuidadosa com a casa, limpava de hora em hora. Era possível vê-la perambulando pela casa de madrugada com uma vassoura nas mãos, falando sozinha, e por muitas vezes cantarolando louvores a Cristo. O chão brilhava como as estrelas no céu, dava para refletir-se nas cerâmicas de tão limpas que eram. Adorava assisti-la de totó na cabeça e avental florido. Sempre com um sorrisão contagiante, não importava a situação, ela sempre usava esse recurso do sorriso. Por muitas vezes a vi chorar também, afinal ela era humana e não uma super-heroína como eu pensava. Por muitas vezes as dificuldades a fazia temer, principalmente quando um dos seus filhos queria algo que não estava ao seu alcance.

Meu pai não se faz presente nas minhas lembranças, como eu fui fruto de uma traição, dificilmente tocávamos no assunto de quem era meu pai. Sempre tive a certeza que o cara que morava conosco, que dizia ser meu pai, era só mais um babaca tentando preencher o vazio que um dia o seu Cicero deixou.

Eu lembro muito bem daquele pobre garoto, se dizia maduro pelo simples fato de possuir pelos no rosto. Eu sou o mais jovem, e um dos três que restaram, um dos três que conseguiu se esconder da morte. Eu sempre fui o mais bem-sucedido em tudo, o mais inteligente, o mais sonhador. -Digo isso não por prepotência, jamais! É que de tanto ouvir isso da minha irmã acabei me convencendo. Eu era aquele pobre garoto que um dia jurou fazer a diferença naquela humilde família. Sempre que lembro desses momentos dou risada, como eu era ingênuo, achando que a vida era como eu pensava.

Não fui capaz de realizar o desejo da minha mãe, ser avó de um filho meu era tudo o que ela queria e me pedia. E por diversas vezes eu tentei, tentei mesmo! Mas nunca consegui. Minha mãe morreu com a frustração de ver seu filho mais novo sozinho, com as mínimas possibilidades de construir uma família. Esse era seu medo, me assistir sozinho de onde quer que ele estivesse.

Por três vezes eu me casei e por duas eu me divorciei. O último casamento a minha esposa veio a falecer. A mulher que por muitas vezes achei que iria preencher aquele vazio que me acompanha desde minha infância, morreu. Pelo fato de ser infértil não terei descendentes e não deixarei herança para seu ninguém.

Eu que tanto sonhei em plantar motivos para um dia ser lembrado, vejo que apenas o que fiz foi semear esquecimento.

Os quatro cantos da casaOnde histórias criam vida. Descubra agora