Capítulo I

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17 anos e meio depois.

◇ Elisabeth Cora Bueno

Cerca de duas semanas atrás, quando eu ainda me considerava normal, cheguei em casa depois do enterro, ainda com aquela sensação de que não conseguia respirar. Entrei no meu quarto, fechei a porta, e não vi mais nada, simplesmente já estava no chão e chorava, e nessas horas, não importa quantas lágrimas você derrame, nunca é o bastante. A dor é como uma mão com punho de ferro, fechada sobre seu coração e apertando cada vez mais; são dois braços pressionados contra o seu peito num abraço mortal, te impedindo de respirar; é uma voz na sua mente dizendo: “isso nunca vai passar”.

Dormi chorando aquela noite, afinal, não era para menos, Thiago havia morrido, e os pesadelos que tive não ajudaram em nada. Neles, eu o via, observando-o de longe, e parecia estar muito perto ao mesmo tempo, ele berrava, horrorizado com algo. Eu podia ouvir o seu coração acelerado, cada vez mais e mais, até que ele parou, Thiago caiu na cama inconsciente e, de repente, ele estava no caixão, exatamente como no enterro. Dormindo, para nunca mais acordar.

No dia seguinte, por mais que não quisesse e aquelas imagens ainda me assombrassem, me obriguei a levantar e ir para a escola.

- Tem certeza de que quer ir hoje, filha? – minha mãe me questiona, preocupada, do batente da porta, enquanto me observa calçar os tênis e arrumar a mochila. Respiro fundo para acalmar meus próprios nervos antes de lhe dar qualquer resposta.

- Eu tenho, mãe. – Digo, a encarando, já com a mochila nas costas e indo em sua direção. – Não se preocupe, vou ficar bem, uma hora ou outra vou ter que seguir em frente e encarar tudo isso. – coloco a mão em seu ombro enquanto falo, afim de acalmá-la e, como sempre, funciona.

Ela assente e saio de casa antes que possa desistir e voltar correndo para a cama. Sigo a pé para a escola, com ao olhos focados no chão, como se não houvesse mais nenhum céu azul para ser admirado.

Assim que me aproximo do portão de entrada daquela fachada familiar, sinto que estou olhando para os portões do inferno, ladeados por urubus atentos, em busca de sua nova presa, e quando todos fixam o olhar em mim, sei que eu sou esta tal presa. Puxo o ar com força e fecho a cara, passando por eles como se não houvesse nada de errado e entro apressada na escola, me arrependendo disso no mesmo instante, mas agora não havia volta, eu não iria fraquejar.

Subindo as escadas, começo a perceber que ir até lá foi uma ideia horrível, sendo o lugar onde eu e Thiago passamos a maior parte de nossas vidas. Ele estava em cada canto que ousasse olhar, no entanto, nunca mais estará aqui para criar novas lembranças.

Sem mencionar o mais  insuportável em toda a situação, os olhares de pena de quem nem mesmo nos conhecia, ou ao menos gostava de nós. Eu realmente não preciso da pena de nenhum deles, mas compreendo que agora sou a coitadinha que perdeu o namorado, um título nem de longe memorável.

Ao entrar na sala de aula, coloquei a touca do meu blusão azul favorito, que, a propósito, ele me deu, me sentei numa cadeira ao fundo, na última fileira e abaixei a cabeça. A última coisa que queria era continuar ser o centro das atenções.

- Lis?

Droga.

Quando levantei a cabeça, lá estava minha melhor amiga, Bianca, uma baixinha sorridente de cabelos castanhos e ondulados, olhos estranha e lindamente acinzentados, de pele azeitonada. Ela deve ter me ligado umas 23 vezes nos dois últimos dias, mas eu não queria falar com ninguém, nem mesmo com ela, afinal, ninguém entenderia o que eu estou sentindo, de qualquer forma.

- Oi. – respondi e abaixei a cabeça de novo.

Ela se sentou na cadeira a minha frente e segurou meu braço com uma mão, sem dizer nada, nem uma palavra, apenas ficou ali e, na verdade, era disso que eu precisava, apenas que estivesse comigo e, aparentemente, ela também sabia.

Esta Sou Eu Sem Você: InstintosOnde histórias criam vida. Descubra agora