Uma das sensações mais dolorosas que pode haver, na minha opinião, é a solidão. Todos os outros sentimentos e situações que nos machucam de alguma forma são derivados da solidão. Quero dizer, quando se perde alguém, não é perca em si que dói. É o que vem depois. A sensação de nunca mais ter aquela companhia outra vez, sentir aquele cheiro, ter aquele abraço. A saudade aperta quando nos sentimos sozinhos. A solidão pode levar o homem a ruína, mas é a partir dela que as mais belas obras tomam vida. A vida gira em torno da solidão. Somos seres completamente sozinhos, buscando preencher esse vazio ou sendo sugado por ele. E você Victor, era o grito estridente de um ser humano solitário. Grito esse que ecoava por todos os lugares que você passava. Grito esse que queimou meu coração.
Na noite em que descobri toda a verdade do seu passado, eu não sabia o que sentir por você. E eu tinha certeza que você tinha sumido para sempre. Quando a janela da minha sala estilhaçou diante dos meus olhos, eu esperava encontrar qualquer coisa, menos te encontrar outra vez. E lá estava você, debaixo daquela tempestade, me olhando fixamente como se quebrar a minha janela ao invés de bater na porta fosse a coisa mais natural do mundo.
Corri na direção da entrada e abri a porta. Você ficou parado sem dizer nenhuma palavra. A respiração ofegante como se estivesse corrido uma maratona. Você me olhou tão assutado. Lembro de sentir um frio na barriga e não acreditar que era realmente você ali diante de mim.
"Você... Você tá bem, Victor? Quer entrar?"
Você ficou em silêncio e continuou me olhando. Tremia todo o corpo como se gritasse por ajuda e ao mesmo tempo, me empurrava pra longe com o olhar. Na verdade eu nunca te conheci. Ou te conheci e não queria enxergar que você nunca iria deixar eu me aproximar de verdade. Gostar de alguém como você é como entrar num lago sem saber nadar e torcer para que seja raso. E foi aí que me afoguei.
Você colocou as mãos na testa, ainda assustado, tentou esboçar algumas palavras:
"Eu... Eu não devia... Tudo é culpa minha! O que... Meu Deus!"
Eu não sabia o que estava acontecendo. Mas queria me aproximar. Joguei o livro no sofá e cheguei mais perto. Você se distanciou. Eu dei outro passo e você ficou parado. Olhar fixo no meu. A chuva gelada encharcou minha camiseta e fez meu corpo arrepiar. Segurei devagar na tua mão e percebi que ela pingava sangue. Você tinha talento pra sangrar, seja de brigas, seja de amor. Coloquei tua mão esquerda na minha cintura e passei meus braços ao redor do teu pescoço. Você não desviava o olhar. Encostei minha testa na tua e sussurrei:
"Calma. Eu tô aqui, contigo. Você não está mais sozinho, respira fundo e me conta o que houve."
O vapor do teu hálito aquecia meus lábios. Aos poucos você foi respirando mais devagar. De repente, você tirou meus braços do teu pescoço, colou minha cintura na tua com a mão esquerda, agarrou minha nuca com a mão direita e me beijou como nunca tinha feito. Me lembro de não conseguir respirar. Você se afastou um pouco, me olhou de novo e me empurrou porta adentro. Minha camiseta branca, agora manchada com o sangue da tua mão, logo foi parar no chão. Com as duas mãos na minha cintura, você me levantou e eu pude escutar o barulho dos cacos de vidro sendo esmigalhados pela sua bota enquanto você colava minhas costas na parede. Entre mordidas e beijos que beiravam uma agressão, você me jogou no sofá.
"Você tem cert..." - Tentei perguntar quando você tapou minha boca.
"Eu não quero conversar, eu quero você!"
E foi assim que me deixei levar. Pelo calafrio. Pelas tatuagens. Pela personalidade problemática. Pelas marcas que foram ficando ao longo do meu corpo. Pelos gemidos sufocados de quem sentia fome de mim. Foi ali, naquele sofá, que eu senti que você era meu lar. Que era em você que eu deveria ficar. E olha só, Victor. Hoje meu corpo está dormente e meu coração desabrigado.
Na manhã seguinte, quando acordei, olhei para o lado e vi que você não estava na cama. Não me surpreendi e achei que você tivesse ido embora, como sempre. Mas aquele dia você ficou. Tua camiseta ainda estava em cima da cama e tuas botas estavam na porta do quarto. Suspirei e sorri. Senti que tudo ia ficar bem. Foi quando o teu celular tocou. Mesmo estando número privado, eu resolvi atender.
"Alô?!"
"Victor?" - Perguntou um homem de voz grossa do outro lado
"Não, mas eu já chamo..." - Ele desligou.
Era outro sinal. E eu não me dei conta.
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Era Pra Ser
RomanceLorenzo é um jovem de 19 anos que acaba de passar no vestibular pra jornalismo. Ao ver-se obrigado a mudar de cidade, ele finalmente encontra a possibilidade de recomeçar sua história longe de todas as confusões e dores do passado. Tudo estava saind...