O Melhor Verso de Todos - A Ressaca, O SMS e A Porta Fechada

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O problema das más escolhas é que nem sempre estamos preparados para arcar com tudo o que elas possam trazer. Te beijar por exemplo, Victor, teve como consequência a pior ressaca de todas. 

Acordei sentindo minha boca amarga. Com os olhos semicerrados vi o feixe de luz que entrava pela janela do meu quarto. Minha cabeça pulsava como se o coração tivesse finalmente assumido o controle do meu cérebro. Com o cabelo e os pensamentos em desordem, me levantei lentamente e pisei nas inúmeras pontas de cigarro espalhadas pelo chão e senti o odor do meu vômito da noite passada. Havia duas garrafas de vinho tinto caídas no rodapé do banheiro, próximo ao vaso sanitário, ambas vazias, assim como tudo dentro de mim. Quando você passava por mim, tudo ficava assim, bagunçado, sujo, fedendo, pulsando, doendo e vazio. 

Limpei o quarto, tomei um banho quente e olhei o relógio. Ótimo, ainda dava tempo de assistir as últimas aulas. Me arrumei o mais rápido que pude e fui para faculdade. Andei cabisbaixo pelos corredores. Talvez porque não queria te ver ou ver qualquer um daqueles teus amigos imbecis, ou talvez porque a minha cabeça estivesse pesada demais pra levantá-la. Por sorte, não esbarrei com ninguém conhecido. Fui até o refeitório, me sentei na mesa do fundo, apoiei minha cabeça na mochila e decidi tirar um cochilo antes da aula.

"Você ficou maluco?" - Alguém gritou.

Senti como se minha cabeça tivesse acabado de explodir com aquele grito. Daiana tinha acabado de jogar os livros dela em cima da mesa. Levantei os olhos e posso dizer que ela não estava das mais satisfeitas. Sussurrei um oi e levantei a cabeça lentamente.

"Você decide ir embora sozinho da festa, no meio da madrugada o Victor me liga querendo falar contigo, eu te aviso e no dia seguinte você simplesmente desaparece, não atende minhas ligações, não respondeu meus e-mails e ainda por cima eu fiquei sabendo de uma história que eu duvido muito que você esteja envolvido..."

"Tá, fala baixo, eu já entendi, desculpa..."

Ela se abaixou, chegou perto de mim e inspirou profundamente.

"Você tá chapado, Enzo?"

"Eu não..."

Antes que eu pudesse terminar, Júlio se aproximou e quando viu minha cara amassada, arregalou os olhos.

"Minha nossa senhora! Gente, mas quem sambou na tua cara para ficar toda cagada assim?"

"Ele tá chapado!" - Disse Daiana, assustada 

Júlio deu uma gargalhada.

"Só pode ser brincadeira né..." - Ele olhou sério pra mim -"Mas você não era do tipo 'pessoas são vazias, enchem a cara para satisfazer a sua própria inutilidade' ou algo do tipo?"

Eu franzi o cenho.

"Posso explicar?" - Eles se sentaram - "E pra início de conversa, eu não faço idéia de absolutamente nada disso que você falou aí, Júlio..."

"É tipo aquelas bichas que se acham..."

"Calem a boca vocês dois!" - Interrompeu Daiana - "Conta logo tudo o que aconteceu, Enzo."

E então contei. Tudo. A tentativa de estupro, a briga, minha tentativa de te beijar, a nossa conversa na praia,  nosso dia no mirante, o beijo no teu quarto... Tudo. Neles eu sabia que poderia confiar, ao contrário de você, Victor.

Eles me olhavam boquiabertos como se eu tivesse acabado de contar que havia uma terceira guerra mundial iminente.

"Então vocês..." - Insinuou Daiana

"Sim!"

"Depois vocês..." - Continuou Júlio

"Sim!"

"Isso não é possível!" - Exclamou Daiana

"Claro que é, sempre achei ele meio baitola..." - Júlio comentou.

"Você me disse que ele era o maior babaca homofóbico dessa faculdade..." - Pontuei, olhando para Júlio.

"Essa foi a minha maneira de dizer que ele era gay..." - Ele continuou.

Demos algumas risadas.

"Douglas e os outros também não vieram na aula ontem, e nem hoje..." - Daiana disse, séria - " Todo mundo tá sabendo que houve uma briga, mas não toda a história... Ouvir dizer que o Douglas tinha quebrado uma costela e queria por tudo achar o Victor para acertar as contas..."

Meus olhos arregalaram.

"Mas eles foram os culpados... O Victor só estava me defendendo..."

"Só estou te contando Enzo, e acho que você deveria avisar o Victor, já que ele tá correndo perigo né..."

Concordei.

Meu celular então tocou, lembro que meu coração acelerou porque no fundo eu achei que era você me ligando para pedir desculpas. Não era. Nunca era. Olhei para o celular, tinha uma nova mensagem de um número que eu não conhecia.

'AFASTE-SE DELE ENQUANTO É TEMPO. AS COISAS AINDA VÃO PIORAR"

Olhei para os lados, assustado. Que significava aquilo? O que ia piorar? Meu rosto paralisou por alguns instantes enquanto minha mente viajava nas infinitas possibilidades que aquela mensagem poderia significar. Júlio e Daiana me perguntaram o que tinha acontecido, mas eu levantei e saí sem nem respondê-los corretamente.

Fui até a praia. Me lembro que já não aguentava mais nenhum segundo de toda essa merda que me envolvi. Eu estava apaixonado por alguém que nem ao menos se dava o trabalho de me tratar bem. Nosso pseudo relacionamento era assim. Você vinha, eu abria os braços. E quando eu realmente ia te abraçar, você me empurrava. E sempre ficávamos eu, o mar e agora meu maço de cigarros. Eu acho que fumava pra te sentir perto. É como se cada trago me trouxesse um pedaço de você que eu não tive tempo de tocar.

Apesar de tudo eu me preocupava contigo Victor, então decidi ir até sua casa novamente para te avisar sobre o Douglas. Quando bati na porta, Ana foi quem abriu. Então eu sorri, completamente sem jeito.

"Bom dia Ana, o Victor está?"

Ana estava diferente. Com os olhos inchados como se tivesse passado a noite chorando, ela me olhou seriamente.

"Não está. E não acho que você deveria voltar aqui."

"Ana, me desculpe... Eu não faço ideia do que está acontecendo, eu só quero ajudar..."

"Não vou dizer duas vezes."

E a porta bateu. Foi a última vez que eu ouvi falar de você ou de Ana durante vários dias. Eu andava pela faculdade no intervalo, tentando te encontrar e nada. Douglas também havia sumido. Ninguém sabia, ninguém tinha visto. Pensei em ir até a polícia, mas achei que não passaria de um adolescente idiota que não sabe lidar com o fato de estar sendo ignorado. Fui até sua casa outras vezes, e nada. Pela janela eu via Ana falando ao telefone, aparentando estar nervosa e chorando todo o tempo. Onde estava você, Victor? Por que tudo isso? O que eu fiz de tão grave?

Com o tempo, eu fui abrindo mão. Não do que eu sentia, não da minha preocupação com você. Mas abri mão de me importar sozinho. Então levantava todos os dias, ia para a faculdade, conversava com meus amigos, e aos poucos você desaparecia da minha vida, assim como desapareceu da cidade. E eu tinha que deixar de lutar em algum momento. Já era hora de desatar uns nós de dentro de mim.

Era Pra SerOnde histórias criam vida. Descubra agora