Era fim de tarde, quando eu saía da última aula. Estava começando a chover e enquanto passava pelo portão da faculdade, pronto para voltar pra casa, tive uma visão que me deixou confuso. Uma mulher negra e robusta , parada do outro lado da rua, com um guarda - chuva aberto, acenando para mim. Era Ana. Atravessei a rua correndo, já estava começando a ficar molhado.
"Preciso falar com você!" - A voz trêmula e baixa, muito diferente daquela que bateu a porta na minha cara - "É sobre o Victor..."
"Me desculpe, mas... eu não tenho mais o que falar sobre ele... ele é um assunto enterrado para mim..."
"Vire esta boca para lá!" - Ela respondeu, angustiada - "Olhe, entre no carro e eu lhe prometo contar tudo o que está acontecendo..."
"Olha Ana, eu..."
Ela me olhou fixamente, séria, ansiosa, com um sofrimento que eu não conseguia mensurar.
"Por favor, Lorenzo..."
Eu concordei. Entramos no carro e ela me levou até sua casa. Era uma noite imersa na escuridão, A chuva caía entre trovões e inúmeros relâmpagos. Ao chegar na sua casa, Ana acenou que eu a acompanhasse até a cozinha e que me sentasse.
"Vou preparar um chá..."
Enquanto ela enchia a chaleira com água, eu estava inquieto.
"Onde ele está?" - Perguntei
Ela colocou a chaleira no fogão, abaixou a cabeça, e se virou para mim, como se eu tivesse acabado de lhe dar um soco no estômago.
"Eu não sei..." - Ela me respondeu com os olhos lacrimejando e sentou-se na cadeira da minha frente.
"Como assim não sabe?"
"Naquela noite, quando você desceu daquele jeito pelas escadas, eu sabia que algo de errado tinha acontecido, minutos depois, o Victor desceu completamente descontrolado e quando eu fui perguntar o que tinha acontecido, ele me mandou ir a merda e bateu a porta. Eu só pude ver a luz da motocicleta dele se afastando ao longo da estrada e não tenho sinal dele até hoje... Na manhã seguinte quando você apareceu, e eu achei melhor que você não chegasse perto dele, porque toda vez que isso acontece, ele fica descontrolado..."
"Mas eu não tive culpa alguma.. A gente só..."
"Se beijaram?"
Eu assenti
"Eu imaginei" - Ela completou
"Mas foi ele quem deu o primeiro passo, eu... eu... eu só me deixei levar, eu não devia ter permitido..."
"Eu sei, meu querido. Mas o Victor não é como os outros... Não se desculpe"
"Ele mudou num instante..."
"Ele tem problemas com esse assunto, ele tem dificuldade em aceitar o fato de ser diferente, e depois dos pais dele... tudo piorou..."
A chaleira apitou, ela levantou e foi até o armário e pegou duas canecas.
"O que aconteceu? O que na verdade você é dele?" - Perguntei.
Ela serviu as canecas em silêncio, me entregou uma e se sentou novamente.
"Sou tia dele."
Meus olhos arregalaram. Ela era muito diferente de toda sua família Victor, mas eu assenti, porque de toda nossa história, aquela era a primeira vez que eu cheguei perto da verdade.
"Minha mãe me adotou quando eu tinha doze anos. A partir de então fui criada com a Viviane, mãe do Victor."
Ela abriu a bolsa e me entregou um retrato que acabara de retirar de um dos bolsos. Eram duas garotas abraçadas, uma negra e uma loira, absolutamente felizes. Eu sorri, era inevitável.
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Era Pra Ser
RomanceLorenzo é um jovem de 19 anos que acaba de passar no vestibular pra jornalismo. Ao ver-se obrigado a mudar de cidade, ele finalmente encontra a possibilidade de recomeçar sua história longe de todas as confusões e dores do passado. Tudo estava saind...