31 de Janeiro de 2012

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Existem momentos na nossa vida que, não importa o que aconteça, ficarão marcados na pele como ferro em brasa. E assim foi teu toque naquela noite, Enzo. Ali, enquanto você limpava o sangue que escorria dos meus lábios cortados e desabotoava minha camisa, eu senti cada centímetro de músculo meu pegar fogo.

Era a primeira vez que eu realmente sentia excitação por alguém. Até então, eu havia tido uma experiência completamente desastrada com um cara mais perturbado do que eu. Com você era diferente, era estranhamente confortável. E permitir que a gente se beijasse, naquela noite, seria transmitir um sinal equívoco que eu queria ficar com você. Naquele momento, eu queria tocar você, sentir você, mas não ficar com você, entende?

Amar um outro cara é aterrorizante, você sabe. E continuar com aquilo, significaria que eu teria que enfrentar tudo e todos para que pudéssemos levar aquele beijo adiante. Eu simplesmente não estava disposto. Vinte e cinco anos construindo a grande mentira que eu sou, e aquele não seria o momento de encarar a verdade, então eu te empurrei, como sempre, era mais fácil assim.

Na madrugada eu escutei você chorando baixo e tudo que eu queria era te pedir desculpa. Ao invés disso, vesti minha camisa e fui mancando pra casa. Ao abrir a porta, Ana ainda estava acordada.

"O que é isso Victor? O que fizeram com você, meu filho?" - Disse ela, tocando meu rosto.

"Não é nada, Ana. Me meti numa briga, foi só isso."

"Não minta pra mim, menino. Eu te criei desde quando você ainda nem sabia andar! E eu prometi pra sua mãe que não ia deixar nada de ruim lher acontecer" - Ela puxou meu braço. - "Agora sente-se aqui, vamos dar um jeito nisso, e depois lhe preparo um chá e você vai me contar tudo.

Ana é a única pessoa que me conhece de verdade, a única em quem confio cada segredo meu. Naquela noite, ela sabia que algo estava diferente em mim. Alguma coisa tinha me mudado. Ela já sentia que você tinha me acontecido, só precisava que eu confirmasse.

"Então, Douglas outra vez?" - Perguntou Ana, séria, enquanto me fazia curativos.

"Não! Sim... Ele tá envolvido..."

"Como sempre! Você sabe o que eu acho dele, meu anjo... Pedi pra se afastar, ele já te fez tando mal desde que..."

"Não vou falar sobre isso."

"Vá tomar um banho e depois termino de fazer os curativos."

Me levantei, ainda meio tonto, talvez por conta da tequila que você sempre odiou.

"E Victor..." - Olhei pra ela. - "Sei que não sou sua mãe, sei que você já tem vinte e cinco anos e não precisa de um conselho de uma velha negra que nem eu, mas você não acha que já não é hora de ser você mesmo?"

"O que você quer dizer com isso?" - Respondi

"Você sabe. Há cerca de uma semana você tem estado diferente, tendo pesadelos, dizendo nomes enquanto dorme. Não estou dizendo pra você se tranformar em outra pessoa, meu filho, mas tomar as rédeas da sua própria vida, parar de permitir que outras pessoas guiem ela por você. Às vezes nos empenhamos tanto pra ser alguém diferente do que realmente somos, que no fim das contas, além de nos frustrar por não conseguir manter uma mentira, perdemos a essência que nos faz ser únicos. Pense nisso."

Franzi o cenho. 

"Você tem razão. Você não é minha mãe."

Subi as escadas enfurecido.

Não consegui dormir aquela noite. As conversas com a Ana sempre me deixavam atordoado. Levantei da cama, fui até a janela, acendi um cigarro, liguei o home theater, que logo começou a tocar "I tell myself you don't mean a thing, but what we got cannot hold on me? But when you're not there I just crumble...", acendi um cigarro e pensei um pouco. Era você Enzo, o motivo dos pesadelos e o os nomes gritados no meio da noite. Eu nunca me dei bem com um lance de curtir outros caras. Eu tinha conseguido enterrar isso em mim há muito tempo, eu tinha o controle de tudo. Estava tudo mais fácil agora, mas com você não. Você, de certa forma, tinha um poder sobre mim que me deixava desnorteado. Por isso eu tinha que fazer algo pra resolver aquilo de uma vez por todas. Acabar com aquela merda toda. Peguei meu celular.

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