19 de Fevereiro de 2012 - Sobre Mentir

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Certa vez minha mãe me disse que de todos os pecados que o ser humano possa cometer, o mais sujo e covarde de todos era o do falso testemunho. Para ela, todo o mal do mundo era derivado da mentira. O diabo mentiu para Eva para que ela comesse a maçã, ela dizia. Eu, particularmente acreditava que essas histórias da bíblia era só um refúgio para quem não tinha coragem de enfrentar a vida por si só e precisava de justificativas para toda a merda que atravessa no nosso caminho diariamente. Mas uma coisa ela estava certa, Enzo, a mentira trazia tudo à ruína. E isso não foi diferente conosco. 

A questão é que, eu menti quando te conheci e fingi não estar interessado, eu menti quando disse pra você que estava tudo bem naquela manhã seguinte e menti inúmeras vezes depois disso. Eu era uma fraude. Mas uma coisa tenha toda a certeza do mundo. No meio de tanta mentira, aquela noite, foi a noite mais honesta da minha vida. Quando eu estava com você, Enzo, é como se o mundo estivesse completo outra vez. Era como se a minha alma pesada de erros e excessos, pudesse voar outra vez.

Eu estava na cozinha, fazendo o café da manhã para nós dois. Lembro que minha cabeça estava atordoada com tudo o que tinha acontecido no bar e tudo que eu tinha que fazer dali em diante. E te envolver nos meus caminhos tortos foi o pior dos meus erros. 

Você se sentou na cadeira, e ficou me encarando por alguns segundos. Você usava um pijama cavado com a estampa do bob esponja, o que me fazia sorrir. Um dos seus maiores dons sempre foi esse: me fazer sorrir. E eu, cheio de gratidão, rasgava teu peito sempre que podia. Por isso, perdão. 

"O que aconteceu?" - Você me perguntou, sério.

Coloquei a primeira panqueca no prato e servi pra você, que mal se moveu, ainda esperando uma resposta.

"Nada, está tudo bem!" - tentei esboçar um sorriso amarelo e me virei pro fogão.

"Sério, Victor, o que foi aquilo ontem?"

"Eu caí na real, voltei e resolvi ficar com você... O que tem de errado nisso?" - Respondi sem me virar

"E você espera que eu acredite nisso?"

"É a verdade!"

"Nós dois temos um conceito bem diferente do que é verdade"

Me virei, servi a minha panqueca e me sentei. Você ainda me encarava. Teus olhos viajavam por todo meu corpo e pousavam nos meus. Você estava realmente preocupado e era nítido. Olhar nos teus olhos sempre me deixou desconfortável, Enzo. Eu me sentia desprotegido, vulnerável. Como se você visse em mim o que ninguém nunca foi capaz de enxergar.

"Olha, desculpe." - Estendi minha mão e segurei a sua. - " Eu não devia ter te mandado sair e nem sumido por tanto tempo. Eu estava assustado e perdido e ficar perto de você só me deixava mais confuso..."

Apertei tua mão, que estava gelada. Você esboçou um sorriso amedrontado, como se estivesse resistindo para não acreditar em mim. Com toda razão. 

"O que mudou?" - Você me perguntou, tentando manter a tranquilidade, enquanto eu sentia tua mão suar. 

"Encontrei um amigo  e ele colocou minha cabeça no lugar" - Nesse momento quase desabei. Me lembrei de Lico e do que passamos no bar quando Douglas o invadiu e meu peito apertou. Mas eu tinha que continuar, eu não podia contar tudo pra você. - "Então eu decidi voltar pra você e pra isso que a gente tem..."

Você apertou minha mão. Parecia confuso. Então se levantou rapidamente e foi até a sala. Ainda tinha cacos de vidro espalhados pelo chão. Você pegou seu violão que estava ao lado da estante e sentou no sofá. Encarou as cordas, dedilhou alguns acordes e disse:

"Acredito que seu amigo tenha te ligado hoje de manhã"

Minha espinha gelou. Se você soubesse quem era do outro lado do telefone, você poderia descobrir tudo o que estava acontecendo e tudo que ainda teria que acontecer. Era perigoso demais. Eu sorri, tentando não demonstrar nada. Eu tinha certeza que não estava conseguindo.

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