Capítulo Sete

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- Talvez você possa entender, Stingo - disse-me Sofia, naquele primeiro dia no parque -
como Nathan salvou a minha vida. Foi fantástico! Eu estava muito doente, desmaiando, caindo, e eis
que ele chega... como é que vocês dizem mesmo? - o Príncipe Encantado e salva minha vida. E foi
tão fácil, como se ele teve uma varinha mágica e a agitou por cima de mim e eu de repente fiquei boa.
- Quanto tempo levou? - perguntei. - Desde o dia em que...
- Você quer dizer desde o dia em que ele me encontrou? Oh, quase nenhum tempo. Duas
semanas, três, algo assim. Allez! Fora! - disse ela, jogando uma pequena pedra no maior e mais
agressivo dos cisnes, que tentava invadir o nosso promontório. - Fora daqui! Odeio esse aí, você
não? Un vrai gonif.
Venha cá, Tadeusz.
E começou a chamar o seu favorito, atraindo-o com os restos de um pão de centeio.
Hesitante, o pária avançou com suas penas desgrenhadas e seu olhar triste, bicando as migalhas
enquanto Sofia continuava a falar. Escutei atentamente, embora tivesse outras coisas na cabeça.
Talvez porque o meu próximo encontro com a divina Lapidus me tivesse feito oscilar entre o êxtase e
a apreensão, procurei abafar ambas as emoções bebendo várias latas de cerveja - violando as regras
que a mim mesmo impusera sobre tomar álcool durante o dia. Mas precisava de algo para acalmar a
ansiedade e diminuir meu pulso.
Consultei o relógio, verificando, com nauseante sensação de suspense, que ainda faltavam
seis horas para que eu batesse à porta de Leslie. Nuvens semelhantes a suspiros de creme, iridescentes
confecções disneyanas, avançavam serenamente na direção do oceano, formando desenhos de luz e
sombra sobre o nosso pequeno promontório, onde Sofia falava sobre Nathan, e eu escutava, e o
barulho do trânsito, nas distantes avenidas do Brooklyn, chegava até nós, intermitente e muito fraco,
como uma inofensiva e festiva salva de tiros de canhão.
- O nome do irmão de Nathan é Larry - continuou ela. - É uma pessoa ótima e Nathan
adora-o. No dia seguinte, ele me levou ao consultório de Larry, em Forest Hills. Examinou-me de
cima a baixo e lembro que, durante o exame, ele dizer: "Acho que Nathan acertou com você. É
notável, o instinto natural que ele tem para a medicina". Mas Larry não tinha a certeza. Apenas achava
que Nathan podia estar certo a respeito da deficiência que eu tinha. Era tão pálida! Depois que eu
contei para ele todos os sintomas, achou que só podia ser isso. Mas não estava certo, de maneira que
marcou consulta com um amigo dele, um spécialiste do Hospital Presbiteriano da Universidade de
Colúmbia. Um médico de deficiências... não...
- Um médico especializado em deficiências alimentares - acudi, arriscando.
- Exatamente. Um médico chamado Warren Hatfield, que estudou medicina com Larry
antes da guerra. Nesse mesmo dia fomos os dois, eu e Nathan, a Nova York, consultar o Dr. Hatfield.
Nathan pediu emprestado o carro de Larry e atravessamos a ponte até o hospital. Oh, Stingo, me
lembro tão bem, da viagem de carro com Nathan até o hospital. O carro de Larry é um décapotable -
acho que vocês dizem conversível - e toda a minha vida, desde criança, na Polônia, eu sonhava anda de conversível, como os que eu tinha visto nas revistas e no cinema. Um sonho tão bobo, andar num
carro aberto, mas o dia era lindo, de verão, e eu ia ao lado de Nathan e o sol batia na gente e o vento
soprava no meu cabelo.
Tão estranho! Eu ainda estava doente, mas sentir-me tão bem! Sabia que eu ia ficar bem. E
tudo graças a
Nathan.
"Era no princípio da tarde, eu me lembro. Eu nunca tinha ido a Manhattan, a não ser de
metrô, à noite, e agora, pela primeira vez, eu via o rio de dia e os incríveis arranha-céus e os aviões no
céu claro. Tudo tão majestoso e tão excitante! Quase senti vontade de chorar. Olhava para Nathan com
o canto dos olhos enquanto ele falava muito depressa sobre Larry e todas as coisas maravilhosas que
ele tinha feito como médico. E depois começou a falar sobre medicina e que apostava que estava certo
sobre a minha doença e como ela poderia ser curada etc. E eu não sei como descrever o que eu sentia,
olhando para Nathan enquanto subíamos a Broadway. Acho que se poderia chamar de admiração.
Admiração por esse homem tão bom e amigo ter aparecido e procurar tão seriamente fazer eu ficar
boa. Era o meu salvador, Stingo, só isso, e eu nunca tinha tido um salvador antes..."
"Naturalmente, ele estava certo. No hospital, fiquei três dias internada enquanto o Dr.
Hatfield me fazia exames e eles mostraram que Nathan estar certo. Eu estava profundamente em falta
de ferro. Oh, também estou em falta de outras coisas, mas não tão importantes. O principal é o ferro.
E, enquanto eu estava lá no hospital, Nathan vinha me visitar todos os dias."
- Que é que você achava disso? - perguntei.
- Disso o quê?
- Bem, eu não quero ser indiscreto - respondi - mas você me descreveu um dos
encontros mais fantásticos, mais arrebatadores de que eu já tive notícia. Afinal de contas, a essa altura
vocês ainda eram quase desconhecidos. Você na verdade não conhecia Nathan, não sabia o que o
motivara, além do fato de ele se sentir muito atraído por você para não dizer outra coisa. - Fiz uma
pausa e continuei, lentamente:
- Repito, Sofia, não quero ser indiscreto, mas sempre tive curiosidade de saber o que se
passa na cabeça de uma mulher quando um cara simpático, dominador e empreendedor como Nathan
surge na sua vida e... bem, para usar sua própria expressão... gera na mulher um sentimento de
admiração.
Ela ficou um momento calada, o rosto encantadoramente pensativo. Depois, respondeu:
- Para falar a verdade, eu estava muito confusa. Havia tanto tempo... tanto, tanto tempo,
que eu não tinha... como é que eu vou dizer?... nenhuma ligação com um homem, você entende o que
eu quero dizer?
Não tinha pensado muito nisso, era uma parte da minha vida que não tinha muita
importância, porque eu estava pondo tanta coisa em ordem. A saúde, principalmente. E, nesse
momento, eu só sabia que Nathan estava salvando a minha vida e não pensava muito no que iria acontecer mais tarde. Bem, acho que, de vez em quando, eu pensava como devia a Nathan por tudo
aquilo que ele estava fazendo, mas você sabe o mais engraçado, Stingo? Tudo tinha que ver com
dinheiro. Essa era a parte que mais confusão me dava.
O dinheiro. À noite, no hospital, eu ficava acordada, pensando e pensando: Estou num quarto
particular e o Dr. Hatfield deve custar centenas de dólares. Como é que eu vou conseguir pagar tudo
isso? Imaginava coisas terríveis. A pior era ir pedir dinheiro emprestado ao Dr. Blackstock e ele me
perguntar para que era e eu ter que explicar que era para pagar aquele tratamento e o Dr. Blackstock
ficar furioso comigo por eu estar sendo curada por um médico. Não sei por que, mas tenho um grande
carinho pelo Dr. Blackstock, o que Nathan não entende. De qualquer maneira, não queria ofendê-lo e
tinha pesadelos sobre essa parte do dinheiro...
Bem, não há necessidade de esconder nada. No fim, Nathan pagou tudo - alguém tinha que
pagar - mas, quando ele pagou, já não havia nada para eu ficar encabulada ou envergonhada. A gente
estava apaixonada e não havia tanto assim para pagar, porque, naturalmente, Larry não quis aceitar
nada e depois o Dr. Hatfield também não cobrou nada. Estávamos apaixonados e eu estava ficando
boa, tomando todos aqueles comprimidos de ferro, que era o que eu precisava para fazer eu florescer
como uma rosa.
- Estacou e soltou um risinho alegre. - Diabo de pronome! - comentou, imitando o jeito
professoral de Nathan. - Não é fazer eu, é me fazer!
- É realmente incrível - observei - a maneira como ele acertou. Nathan devia ter sido
médico.
- Ele queria ser - murmurou ela, após um breve silêncio. - Queria tanto ser médico!
Fez uma pausa e, de repente, tornou-se melancólica.
- Mas essa é outra história - acrescentou, com uma expressão tensa no rosto.
Senti imediata mudança de ânimo, como se a lembrança feliz daqueles primeiros dias
tivesse (talvez devido ao meu comentário) ficado sombreada pela consciência de alguma outra coisa
- algo perturbador, doloroso, sinistro. E, nesse mesmo instante, com a conveniência dramática que o
romancista incipiente, dentro de mim, tanto apreciava, o seu rosto ficou subitamente mergulhado na
mais negra das sombras, produzida por uma daquelas nuvens gordas e estranhamente coloridas que,
por momentos, obscureciam o sol e nos davam um arrepio outonal. Sofia estremeceu convulsamente e
levantou-se.
Depois, ficou de pé, com as costas voltadas para mim, agarrando os cotovelos nus com
repentina intensidade, como se a brisa que se levantara lhe atravessasse os ossos. Não pude deixar -
pela expressão dela e por aquele gesto - de me lembrar novamente da situação tormentosa em que os
surpreendera, cinco noites antes, e do quanto ainda me faltava compreender a respeito daquela
excruciante ligação. Havia tantos detalhes, tantas pequenas coisas! Morris Fink, por exemplo. O que
teria provocado aquele horrível espetáculo de fantoches a que ele assistira e me descrevera? A
atrocidade que ele presenciara - Nathan espancando-a enquanto ela jazia caída no chão. Como
explicar isso? Como combinar isso com o fato de, em cada um dos dias subsequentes, em que eu vira
Sofia e Nathan juntos, a palavra "apaixonados" não bastar para dar ideia da natureza do seu
relacionamento? E como era possível que esse homem, cuja ternura e bondade Sofia recordava com

A Escolha De SofiaOnde histórias criam vida. Descubra agora