Capítulo Nove

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Dos muitos que escreveram sobre os campos de concentração nazistas, poucos o fizeram
como maior paixão e percepção do que o crítico George Steiner. O seu livro de ensaios, Language and
Silence, caiume nas mãos no ano da sua publicação, 1967 - um ano de grande significação para mim,
além do fato bastante trivial de marcar exatamente duas décadas desde aquele meu verão no Brooklyn.
Meu Deus, como o tempo passara, desde que eu conhecera Sofia, Nathan e Leslie Lapidus! A tragédia
doméstica que eu tanto me esforçara por trazer a lume, na pensão de Yetta Zimmerman, havia muito
fora publicada (conquistando aplausos muito acima das minhas esperanças juvenis). Escrevera outras
obras de ficção e algumas peças, pouco entusiásticas e não-comprometidas, do jornalismo, tão em
moda nos anos sessenta.
Não obstante, o meu coração ainda estava todo voltado para a arte do romance -
apregoadamente moribundo, ou mesmo, livre-nos Deus, mortinho da silva - e eu tive o prazer, nesse
ano de 1967, de poder refutar a sua morte (pelo menos, para minha satisfação pessoal), editando um
livro que, além de preencher minhas exigências estéticas e filosóficas como romancista, teve centenas
de milhares de leitores - nem todos eles, conforme vim a saber mais tarde, tão satisfeitos quanto eu.
Mas essa é uma outra história e, se me derem licença, simplificarei as coisas dizendo que esse ano foi
de modo geral, muito compensador para mim.
Este pequeno introito justifica-se pelo fato de - como tantas vezes acontece, após vários
anos passados a trabalhar duramente numa criação difícil - eu me ter visto a braços com uma espécie
de depressão, uma crise da vontade, que me fazia hesitar sobre o que fazer a seguir. Muitos escritores
passam por isso, após terminar uma obra ambiciosa. É como uma pequena morte, a gente sente
vontade de voltar para um útero bem úmido e se transformar num óvulo. Mas o dever chamava e, de
novo, como tantas vezes antes, pensei em Sofia. Durante vinte anos, Sofia e a vida dela - a vida
pregressa e o tempo que passáramos juntos - e Nathan e a vida dele, e os problemas de Sofia e todas
as circunstâncias que haviam levado aquela pobre e loura polaca à destruição, tinham-me afligido a
memória como um tique repetido e irradicável. A paisagem e as figuras vivas daquele verão, à
semelhança de uma foto amarelada, descoberta nas páginas negras e enrugadas de um velho álbum,
tinham ficado cada vez mais poeirentas e indistintas, à medida que o tempo me arrastava para a idade
madura. No entanto, a agonia daquele verão ainda clamava por uma explicação. Foi assim que, nos
últimos meses de 1967, comecei a pensar seriamente no triste destino de Sofia e Nathan. Sabia que,
mais cedo ou mais tarde, teria que lidar com ele, como fizera, tantos anos antes, e com tanto êxito,
com outra jovem que amara sem esperança - a malfadada Maria Hunt. Por várias razões, muitos anos
ainda se passariam antes que eu começasse a escrever a história de Sofia como ia fazendo até aqui.
Mas os preparativos que fiz nessa ocasião exigiram que eu me torturasse, absorvendo o máximo que
podia encontrar de literatura relativa à l'univers concentrationnaire. E, ao ler George Steiner,
experimentei o choque da redescoberta.
"Uma das coisas que não consigo entender, embora muitas vezes tenha escrito sobre ela,
procurando dar-lhe uma perspectiva suportável", escreve Steiner, "é a relação temporal". Steiner
acaba de citar descrições da morte brutal de dois judeus, no campo de extermínio de Treblinka.
"Precisamente à mesma hora em que Mehring e Langner estavam sendo massacrados, a grande
maioria dos seres humanos, a três quilômetros de distância, nas fazendas polonesas, ou a oito mil
quilômetros dali, em Nova York, estava dormindo, ou comendo, ou assistindo a um filme, ou fazendo amor, ou tremendo ante a ideia de ter que ir ao dentista. É aí que a minha imaginação falha. Os dois
planos simultâneos de experiência são tão diferentes, tão irreconciliáveis com qualquer escala comum
de valores humanos, sua coexistência é um paradoxo de tal forma horrível - Treblinka simboliza
ambas, porque alguns homens o construíram e quase todos os demais homens permitiram que ele
existisse - que fico pensando: será que existem mesmo, como querem a ficção científica e a
especulação gnóstica, diferentes espécies de tempo no mesmo mundo, "bons tempos" e camadas
envolventes de tempos desumanos, em que os homens caem nas mãos lentas da danação em vida?"
Até ler essa passagem, eu pensara, bastante ingenuamente, que só eu tinha pensado nisso,
que só eu ficara obcecado com a relação temporal - a ponto de, por exemplo, tentar, com mais ou
menos sucesso, averiguar o que fizera no dia 1o de abril de 1943, o dia em que Sofia, chegando a
Auschwitz, caíra nas "mãos lentas da danação em vida". Numa determinada altura do fim de 1947 -
apenas alguns anos depois do início da odisseia de Sofia - fiz um esforço de memória, numa
tentativa de me situar, no tempo, dia em que Sofia atravessara os portões do inferno. O dia 1o de abril
de 1943 - o dia de pregar peças e sustos - tinha uma urgência mnemônica para mim e, após ter
passado em revista algumas das cartas do meu pai, que corroboravam os meus movimentos, pude
constatar o fato absurdo de que, na tarde em que Sofia desembarcou na plataforma da estação de
Auschwitz, em Raleigh, Carolina do Norte, fazia uma bela manhã de primavera, e eu me enchera de
bananas. A razão para comer tanta banana era que, dali a uma hora, eu iria me submeter a um exame
médico para poder me alistar no Corpo de Fuzileiros Navais. Aos dezessete anos, já com mais de um
metro e oitenta, mas pesando apenas 61 quilos, sabia que tinha de engordar uns dois quilos para
satisfazer os requesitos mínimos de peso. O estômago inchado como uma dessas crianças que passam
fome, nu em cima da balança, diante de um velho sargento, que olhou para a minha magreza de
adolescente e exclamou "Nossa, que varapau!" (fez também uma brincadeira a respeito da data),
passei no exame por uma questão de gramas.
Nesse dia, eu ainda não tinha ouvido falar em Auschwitz, ou em qualquer outro campo de
concentração, nem no genocídio dos judeus europeus, nem sequer muita coisa a respeito dos nazistas.
Para mim, o inimigo, naquela guerra mundial, eram os japoneses, e a minha ignorância da
angústia que pairava, como um sinistro smog cinzento, sobre lugares com nomes como Auschwitz,
Treblinka, Bergen- Belsen, era completa. Mas isso não se aplicava também à maioria dos americanos,
ou mesmo à maioria dos seres humanos que viviam além do perímetro do horror nazista?
"Essa noção de planos diferentes de tempo, simultâneos, mas não análogos ou interligados",
continua Steiner, "pode ser necessária para nós, que não estávamos lá, que vivíamos como se em outro
planeta."
Concordo. Principalmente quando (fato geralmente esquecido) para milhões de americanos,
o símbolo de tudo quanto havia de mau, durante esse tempo, não eram os nazistas, apesar de
desprezados e temidos, e sim as legiões de soldados japoneses que pululavam nas selvas do Pacífico,
como vesgos e raivosos macacos, e cuja ameaça ao continente norte-americano parecia muito mais
perigosa, para não dizer mais repulsiva, em vista da sua raça amarela e dos seus estranhos hábitos.
Mas, mesmo se uma atitude tão preconceituosa com relação a um inimigo oriental não tivesse sido
real, a maioria das pessoas pouco poderia saber sobre os campos de morte nazistas, e isso torna as
ruminações de Steiner ainda mais instrutivas. O elemento de ligação entre esses "diferentes planos de
tempo" é, naturalmente - para nós, que não estivemos lá - alguém que esteve lá, o que me traz de
volta a Sofia. A Sofia e, em particular, ao seu relacionamento com o SS Obersturmbannführer Rudolf Franz Höss.
Já aludi várias vezes à relutância de Sofia em falar de Auschwitz, do seu silêncio a respeito
daquela fétida parte do seu passado. Como ela própria (conforme certa vez me confessara) tinha
conseguido anestesiar a mente contra as lembranças daquele período, não admira que nem Nathan nem
eu conseguíssemos saber o que acontecera com ela num plano cotidiano (principalmente durante os
últimos meses), além do fato evidente de que ela quase morrera de desnutrição e de mais de uma
doença contagiosa. Assim, o calejado leitor, acostumado ao perene festim de atrocidades do nosso
século, verse- á aqui poupado de uma crônica detalhada das mortes, dos espancamentos, dos
morticínios por gás, das torturas, das experiências médicas criminosas, das privações lentas, dos
ultrajes, dos acessos de fúria e outros, à semelhança das feitas por Tadeusz Borowski, Jean-François
Steiner, Olga Lengyel, Eugen Kogon, André Schwarz-Bart, Elie Wiesel e Bruno Bettelheim; para citar
apenas alguns dos mais eloquentes em expurgar o elemento infernal do seu coração. Minha visão da
estada de Sofia em Auschwitz é necessariamente particularizada, e talvez um pouco distorcida,
embora apenas honestamente.
Mesmo se ela tivesse decidido revelar a Nathan ou a mim os terríveis detalhes dos seus vinte
meses de Auschwitz, eu poderia ter sido constrangido a puxar o véu, porque, conforme George Steiner
observa, não é claro "que aqueles que não se envolveram inteiramente possam abordar tais agonias
sem ficar marcados". Devo confessar que durante muito tempo me preocupou a sensação de ser um
intruso no terreno de uma experiência tão bestial, tão inexplicável, tão indiscutivelmente exclusiva
daqueles que sofreram e morreram, ou sobreviveram a ela. Uma sobrevivente, Elie Wiesel, escreveu:
"Os romancistas têm feito livre uso (do Holocausto) nas suas obras... Ao fazer isso, baratearam-no,
tiraram-lhe grande parte da sua substância. O Holocausto transformou-se num assunto quente, na
moda, capaz de atrair atenção e obter um sucesso imediato..." Não sei se isso é válido, mas tenho
noção desse risco.
Contudo, não posso aceitar a sugestão de Steiner de que a resposta é o silêncio, de que é
melhor "não acrescentar a trivialidade do debate sociológico, da forma literária, ao inenarrável".
Tampouco concordo com a ideia de que "na presença de certas realidades, a arte é trivial, ou mesmo
impertinente". Acho isso um pouco hipócrita, principalmente porque Steiner não ficou calado. E
apesar de quase cósmico na sua incompreensibilidade, como pode parecer, o símbolo do mal, em que
Auschwitz se transformou, permanece impenetrável apenas enquanto evitarmos penetrá-lo, mesmo
que inadequadamente; e o próprio Steiner acrescenta, imediatamente, que a segunda melhor opção é
"procurar compreender". Pensei que seria possível fazer um esforço para compreender Auschwitz
procurando compreender Sofia, a qual, no mínimo, era um poço de contradições. Embora não fosse
judia, sofrera tanto quanto qualquer judeu que houvesse sobrevivido aos mesmos padecimentos e -
penso que isso ficará claro - de certo modo, bem profundo, sofrera mais do que a maioria. (É
extremamente difícil, para muitos judeus, ver além da já consagrada natureza da fúria genocida
nazista, e por isso me parece menos um defeito do que uma falha desculpável, nas emocionantes
meditações de Steiner, um judeu, que ele faça apenas uma referência em passant às multidões de não-
judeus - aos milhares de eslavos e ciganos - tragadas pelas máquinas de morte dos campos,
morrendo de maneira tão selvagem quanto os judeus, embora por vezes menos metodicamente.)
Se Sofia tivesse sido apenas uma vítima - arrastada, qual folha soprada pelo vento, um
grão de poeira humano, sem vontade, como tantos e tantos dos seus semelhantes - teria parecido
apenas patética, mais uma vítima fugida da tempestade, que viera parar no Brooklyn sem segredos a serem desvendados. Mas acontece que, em Auschwitz (coisa que ela foi aos poucos me confessando,

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