Afundado no solo e rodeado por grossas paredes de pedra, o porão da casa de Höss, onde
Sofia dormia, era um dos poucos lugares do campo onde nunca penetrava o cheiro de carne humana
queimada.
Essa era uma das razões pela qual ela procurava abrigo nele sempre que podia, embora a
parte do porão reservada à sua enxerga fosse úmida e mal iluminada, cheirando a mofo e a podre.
Atrás das paredes, a água corria incessantemente nos canos que vinham dos esgotos e dos banheiros da
casa e, de vez em quando, tinha o sono perturbado pelo esgueirar peludo de uma ratazana. Mas, apesar
de tudo, aquele purgatório era bem melhor do que qualquer alojamento - mesmo aquele em que ela
vivera durante os seis meses anteriores, com algumas dezenas de outras internas relativamente
privilegiadas, que trabalhavam nos escritórios do campo. Muito embora lhe fosse poupada grande
parte da brutalidade que era o destino dos prisioneiros comuns, no resto do campo, o barulho constante
e a falta de privacidade tinham feito com que Sofia quase não pudesse dormir. Além disso, nunca
pudera manter-se limpa. Ali, porém, dividia o alojamento apenas com um punhado de prisioneiras. E,
dos vários luxos proporcionados pelo porão, o primeiro era ficar perto da lavanderia. Sofia fazia bom
uso dessa proximidade, ou melhor, era obrigada a isso, já que a dona da casa, Hedwig Höss, tinha pela
sujeira a fobia da típica hausfrau da Vestefália e fazia questão de que todos os internos alojados sob o
seu teto se apresentassem não só limpos, como em perfeitas condições de higiene: potentes
antissépticos eram adicionados à água de lavagem das roupas e os presos domiciliados na Mansão
Höss cheiravam a germicida. Havia mais uma razão para isso: a mulher do comandante tinha
verdadeiro pavor de que a família fosse contagida por alguma doença que os internos pudessem ter.
Outra coisa preciosa de que Sofia desfrutava no porão era a possibilidade de dormir. Depois
da falta de comida e de privacidade, a impossibilidade de dormir era uma das principais deficiências
do campo. Desejado pelos prisioneiros com uma ânsia próxima da luxúria, o sono permitia a única
escapatória aos onipresentes tormentos e, por mais estranho que pudesse parecer (ou talvez não seja
tão estranho assim) geralmente trazia sonhos agradáveis porque, conforme Sofia observou certa vez,
as pessoas tão próximas da loucura ficariam completamente loucas se, ao fugir de um pesadelo,
tivessem de enfrentar outros, durante o sono. Assim, graças ao silêncio e ao isolamento do porão dos
Höss, Sofia pudera, pela primeira vez em meses, dormir e mergulhar no reconfortante refúgio dos
sonhos.
O porão fora dividido em duas partes mais ou menos iguais. Sete ou oito prisioneiros
homens ficavam do outro lado da divisão de madeira; na sua maioria poloneses, trabalhavam na casa
fazendo pequenos serviços, lavando louça na cozinha - e dois deles eram jardineiros. Exceto quando
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A Escolha De Sofia
RomanceUma história comovente e aterrorizante história da polonesa Sofia zawistowka, sobrevivente do Campo de concentração de Auschwitz, que é também a história de um dos mais bárbaros crimes de todos os tempos: o holocausto promovido pelos nazistas. Por t...