Capítulo Dez

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Afundado no solo e rodeado por grossas paredes de pedra, o porão da casa de Höss, onde


Sofia dormia, era um dos poucos lugares do campo onde nunca penetrava o cheiro de carne humana


queimada.


Essa era uma das razões pela qual ela procurava abrigo nele sempre que podia, embora a


parte do porão reservada à sua enxerga fosse úmida e mal iluminada, cheirando a mofo e a podre.


Atrás das paredes, a água corria incessantemente nos canos que vinham dos esgotos e dos banheiros da


casa e, de vez em quando, tinha o sono perturbado pelo esgueirar peludo de uma ratazana. Mas, apesar


de tudo, aquele purgatório era bem melhor do que qualquer alojamento - mesmo aquele em que ela


vivera durante os seis meses anteriores, com algumas dezenas de outras internas relativamente


privilegiadas, que trabalhavam nos escritórios do campo. Muito embora lhe fosse poupada grande


parte da brutalidade que era o destino dos prisioneiros comuns, no resto do campo, o barulho constante


e a falta de privacidade tinham feito com que Sofia quase não pudesse dormir. Além disso, nunca


pudera manter-se limpa. Ali, porém, dividia o alojamento apenas com um punhado de prisioneiras. E,


dos vários luxos proporcionados pelo porão, o primeiro era ficar perto da lavanderia. Sofia fazia bom


uso dessa proximidade, ou melhor, era obrigada a isso, já que a dona da casa, Hedwig Höss, tinha pela


sujeira a fobia da típica hausfrau da Vestefália e fazia questão de que todos os internos alojados sob o


seu teto se apresentassem não só limpos, como em perfeitas condições de higiene: potentes


antissépticos eram adicionados à água de lavagem das roupas e os presos domiciliados na Mansão


Höss cheiravam a germicida. Havia mais uma razão para isso: a mulher do comandante tinha


verdadeiro pavor de que a família fosse contagida por alguma doença que os internos pudessem ter.


Outra coisa preciosa de que Sofia desfrutava no porão era a possibilidade de dormir. Depois


da falta de comida e de privacidade, a impossibilidade de dormir era uma das principais deficiências


do campo. Desejado pelos prisioneiros com uma ânsia próxima da luxúria, o sono permitia a única


escapatória aos onipresentes tormentos e, por mais estranho que pudesse parecer (ou talvez não seja


tão estranho assim) geralmente trazia sonhos agradáveis porque, conforme Sofia observou certa vez,


as pessoas tão próximas da loucura ficariam completamente loucas se, ao fugir de um pesadelo,


tivessem de enfrentar outros, durante o sono. Assim, graças ao silêncio e ao isolamento do porão dos


Höss, Sofia pudera, pela primeira vez em meses, dormir e mergulhar no reconfortante refúgio dos


sonhos.


O porão fora dividido em duas partes mais ou menos iguais. Sete ou oito prisioneiros


homens ficavam do outro lado da divisão de madeira; na sua maioria poloneses, trabalhavam na casa


fazendo pequenos serviços, lavando louça na cozinha - e dois deles eram jardineiros. Exceto quando

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