Capítulo XVII

199 31 11
                                    

Ali pelas seis da tarde o tempo começou a fechar e agora, as nove e meia da noite, a chuva cai sem nenhum impedimento. É como se o céu estivesse chorando todas as suas mágoas.

Estou vendo TV com a minha mãe, ela está ansiosa, suando de nervosismo. Meu pai foi em uma viagem periódica de trabalho à São Paulo, no ônibus da empresa. Toda essa chuva está deixando mamãe preocupada, primeiro por que ela não gosta dessas viagens, segundo, não gosta de tempestades.

_Maurício? - minha mãe me cutuca quando estou começando a cochilar.

_O que foi? - pergunto abrindo os olhos de supetão.

_Estão batendo na porta!

_É na novela mãe! - digo sem pensar, pois sei que não estão batendo, temos interfone e eu teria ouvido o tlim tlim.

_Não estou gagá para achar que é na novela, estão batendo no portão!

Me sento no sofá e tento ouvir os sons a minha volta, só consigo ouvir a chuva pesada.

_Mãe é só a chuva!

_Não é a chuva, estou dizendo, tem alguém batendo no portão! - minha mãe parece preocupada, como se pudesse realmente ter alguém à porta.

_Eu vou lá ver ok?

Levanto e abro a porta da sala, assim que o vento forte me alcança penso em voltar para trás. Porém, finalmente escuto o som a que dona Elisângela estava se referindo. Há realmente alguém batendo na porta!

Fecho meu moletom e coloco o capuz, respiro fundo e saio correndo para a frente da casa. Me aproximo do portão e paro perto do vão que há entre ele e o muro, para poder ver quem é. Olho e vejo uma sombra, aproximo meu rosto do espaço e tento focar na pessoa miúda do lado de fora, é uma garota. Deus, o que essa louca está fazendo aqui?

_Vou pegar a chave! Só um minuto!

Sem saber o que fazer, volto correndo para buscar a chave, não posso deixá-la debaixo dessa chuva. Entro e minha mãe me pergunta quem é, a ignoro, vou até o quarto, pego o meu chaveiro e depois saio pela porta da cozinha.

Abro o portão.

Vejo Maria Augusta parada a minha frente, completamente encharcada, os fios de cabelo grudados na cabeça, os lábios roxos. Por ironia do destino ela não está usando um dos seus moletons ou casaquinhos, está apenas de regata. Demoro um pouco para ver que Magu tem algo nas mãos, ela está segurando o blusão de frio que deveria estar vestindo e embaixo dele está a cachorra que encontramos.

Ela olha para mim e rapidamente desvia o olhar para o chão, eu a encaro, sem saber o que dizer. Fico observando a imagem surreal à minha frente por alguns segundos, minutos quem sabe, e só então começo a sentir os pingos gelados atravessando meu moletom.

_Entra logo!

Maria entra, eu tranco o portão e corremos para a porta trazendo vários respingos de água conosco. Minha mãe está parada de pé, na entrada da sala, chocada com a presença da visitante noturna.

_Meu Deus o que houve com você? – mamãe a olha de cima em baixo.

_Eu estava passeando com a Ofélia e a chuva nos pegou! – responde ela enquanto coloca a cachorra no chão.

_Ofélia? - olho incrédulo para ela.

_Sim!

A cadela sacoleja todo o seu corpinho, molhando ainda mais o piso da casa. Não quero nem pensar no que vou ouvir da minha mãe mais tarde.

A Detestável Letra MOnde histórias criam vida. Descubra agora