Capítulo XVIII

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37 semanas depois

Sinto falta do seu corpo em minha cama. Sinto falta das suas veias rosadas. Dos seus lábios gelados, que se esquentavam quando tocavam os meus. Sinto falta dos fios de cabelos soltos, que desciam pelo seu rosto. Sinto falta do castanho. Dos seus olhos me observando de relance, preocupados em saber se eu estava vendo que ela me olhava. Sinto falta de suas mãos macias e frias, tão diferente das minhas. Sinto falta do seu mau humor infernal, porque ele fazia com que seu sorriso fosse tão único. Sinto falta da Maria Augusta.

Às vezes me pego falando sozinho, imaginando que nos reencontramos e que ela está feliz em ouvir sobre a minha vida. Estou feliz por ouvir sobre a vida dela. Fazemos uma interseção do tempo que passamos separados. Ela me diz que está escrevendo um romance, eu lhe conto sobre o meu aniversário de dezoito anos. Ela sorri e eu sorrio, porque amo vê-la feliz, tomamos vitamina de abacate.

Então me lembro que estou outra vez falando com as paredes. Me lembro que meu aniversário de dezoito anos foi apenas um dia de semana como outro qualquer, só mais um dia de junho como outro qualquer. Não sai para beber, não me diverti com meus amigos. Não fiz nada do que devia ter feito. Me lembro que ela não está aqui. Fico com raiva. Fico com raiva dela. De volta a um ciclo. De volta aonde tudo parou.

Respiro fundo. Estou sentado na janela do meu quarto, olhando para o quintal. Ofélia está deitada na grama, se remexendo, coçando suas costas na terra. Olho para cachorra e sinto que só ela me entende. Patético? Sim. Mas as vezes penso sobre o fato de que apenas eu e ela estamos sentindo falta da Magu. Devia conversar com ela sobre isso, contudo, apesar dos meus delírios, ainda acho que contar meus problemas para uma cachorra é demais.

Olho para o céu, acabei de ouvir no rádio que está fazendo trinta e seis graus. Um inferno. Um detalhe que acrescenta na minha irritação. Odeio essa cidade, odeio tudo que faz referência a esse lugar. Odeio as lembranças que me perseguem dia após dia, me fazendo duvidar cada vez mais de mim mesmo.

Tem dias que fico feliz em saber que estou no fundo do poço. Não me afundar mais, não ter mais nada a perder. Acho que me apeguei exatamente a essa ideia, a ideia de que se eu não conhecer novas pessoas, nem novos lugares, nem ganhar novas ambições, não irei me decepcionar de novo. Eu sei, sou um covarde, remediando o tempo, remediando a vida.

Balanço os ombros. Estou com fome. Estou entediado. Me levanto da cadeira e vou até a cozinha, abro a geladeira e olho para o seu interior. Nada que me agrade, fecho a porta. Abro outra vez e olho se há alguma coisa.

_O que você está fazendo? - pergunta a minha mãe, surgindo de repente.

_Olhando o que tem para comer.

_Não fiz nada para o café da tarde, você podia buscar pão na padaria.

Suspiro. Não quero ir à padaria. Ela nota.

_Tanto faz, você não faz nada mesmo.

_E você não me deixa esquecer que sou um inútil.

_Sinceramente Maurício, estou cansada de ter que pensar no que dizer a você. Se quer comer algo, vá buscar, se não fique aqui.

Ela sai da cozinha e eu pego uns trocados no pote de dinheiro. Vou buscar a porcaria da comida, não vou criar caso com isso também, nem deveria ter dito nada, sou mesmo um babaca.

Pego a chave e saio pelo portão. Sigo em direção a padaria Sabor de mel, que fica na avenida e chego lá em menos de cinco minutos. Entro e o ambiente está lotado, várias pessoas se amontoam em frente ao balcão e duas atendentes andam de um lado para o outro.

A Detestável Letra MOnde histórias criam vida. Descubra agora