Capítulo XXVII

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22 semanas depois.

Dormir com Maria Augusta com certeza foi um dos maiores paradoxos que já enfrentei. Era irreal demais, porque quem dormia era ela, eu só ficava acordado observando seu sono leve. A sua serenidade era oposta ao meu coração, que vibrava como uma torcida de futebol. No fim amanhecia e eu estava mais cansado do que antes, porém, ainda assim valia a pena, ainda assim era excitante.

Agora continuo sofrendo com esse desconforto de não dormir, porém a parte boa não está mais deitada no outro lado da cama, agora somos sou e a minha insônia. Sim, as vezes eu entro com a Ofélia escondida para o quarto, para que me faça companhia, porém a cachorra desmaia rapidamente e depois começa a roncar. Acontece.

_Maurício? – a voz anasalada da Tânia Mara surge em meus pensamentos e infelizmente percebo que está fora da minha cabeça também, acho que ela já se cansou de deixar o tempo passar.

_O que? – indago.

_Estamos aqui a exatamente onze minutos! Você não vai falar nada?

Puxo o ar e o solto, não tenho o que dizer, da mesma forma que não tinha a duas sessões atrás. Eu detesto ter que vir a psicóloga, é um desperdício de horário, meu e dela.

_Como foi a sua semana?

_Igual as outras, tão igual que nem me lembro se jantei bife à milanesa nessa ou se foi na passada!

_Igual ou não, você pode repetir o que fez?!

Argh, ela é péssima, muito péssima mesmo, repetir em voz alta que fiquei em casa a semana toda não vai me fazer ter vontade de sair. Conversar com ela não vai me ajudar, não preciso de ajuda, estou ciente de tudo que estou fazendo com a minha vida, que se resume a um grande nada. Estou bem assim sério, só tenho uns probleminhas com o sono, mas isso é detalhe, consigo cochilar durante a tarde, meu enguiço mesmo é com a noite.

Foi minha mãe que decidiu que eu precisava de terapia. "Você não dorme Maurício, fica andando pela casa de madrugada". "Você não sai de casa Maurício, parece que está doente". "Você não trabalha Maurício, não estuda". "Maurício, Maurício, Maurício". Céus, eu juro que estava começando a detestar meu nome e foi quando cedi a psicologia. Não, o fato de eu ter convencido ela a me levar na mulher do postinho de saúde, que por acaso é a mesma que "tratou" da Magu, não influenciou na minha decisão. No dia em que falei que faria terapia foi um pequeno relâmpago de fé, naquele momento, que infelizmente não durou muito, eu realmente quis uma salvação.

Contudo, essa vontade não durou muito, ela morreu no minuto em que entrei nessa salinha. Tânia Mara não pode fazer nada por mim, sou só mais um adolescente problemático com o qual tem que lidar. Nada de especial, os mesmos dramas da maioria, o mesmo medo do futuro, as mesmas inseguranças baratas, nada que mereça atenção especial. Maria Augusta também não recebeu nada de especial da psicóloga e olha que aquela lá merecia...

_Fiquei em casa a semana inteira, assisti Kill Bill volume 1 e 2 no sábado à noite!

_Kill Bill é legal, você gosta de filmes de ação?

_Não, gosto de dramas!

_Não há porque ser irônico aqui Maurício, isso não vai nos levar a lugar nenhum! – ela ajeita os óculos no rosto e continua – Vamos tentar outra vez, me conte um pouco sobre os filmes que gosta.

_Psicose! – respondo, mas não é verdade, esse é o filme favorito de outra pessoa.

_Engraçado esse ser o seu filme favorito!

_Por quê? Por que era o filme favorito dela também?

_Você está cansado de saber que tenho um código de ética a seguir, minha relação com os pacientes é sigilosa!

A Detestável Letra MOnde histórias criam vida. Descubra agora