Capítulo XIX

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Acordo com a minha cabeça doendo, parece que um soldadinho quebra-nozes bateu em meu cérebro. Meu corpo dói como se tivesse dormido de mau jeito, estralo meu pescoço, girando-o, estico minhas pernas me espreguiçando. Bato minha mão no lado esquerdo da cama e ela se afunda em coberta e edredom. Olho para o lado.

Minha cama está vazia, mas ao lado dela, no chão, Ofélia dorme em cima dos meus chinelos. Levanto e descalço saio do quarto, atravesso o corredor, passando pelo banheiro vazio. Passo em frente ao quarto da minha mãe, sua porta está aberta e vejo que ainda dorme. Sigo em direção a cozinha, que está as moscas, olho no relógio da parede, são sete e quarenta da manhã.

Copa, igualmente vazia. Termino minha rota na sala, idem, não há ninguém. Saio no quintal e dou a volta na casa, ninguém. Ninguém.

_Magu? - a chamo porque sou um idiota, sei que ela não está aqui.

Vou até o portão e vejo o molho preso a fechadura, ela pegou as chaves e saiu, foi-se. Céus, a cachorra!

Corro para o quarto e encontro a cadelinha dormindo da mesma forma serena. Coloco as mãos em meus cabelos e os seguro com força, tento respirar. Minha mãe vai me matar, me aniquilar e me deixar de castigo como uma criança. Maria Augusta largou a cachorra aqui, saiu cedo, sem ninguém ouvir e largou a Ofélia aqui. Era tudo, tudo que me faltava, aquela estrategista descarada, me colocou em uma emboscada.

Sento na beirada da cama, jogando todo o meu corpo em cima, ela range. A cachorra ouve o barulho e levanta uma orelha, depois levanta o seu corpo e se senta na minha frente. A olho e ela me olha de volta.

_Preciso sumir com você! - suspiro.

Ela parece não entender o que digo, porque abana o rabo repetidamente, feliz por eu estar conversando com ela.

_Droga, não vou conseguir fazer isso.

Me inclino para trás e fico olhando o teto, olhando-o por tempo indeterminado, esperando uma luz. Esperando uma tempestade para ser sincero, pois será isso que acontecerá quando minha mãe acordar.

Fico plantado no quarto e as horas passam, mesmo eu não querendo. Acontece exatamente como previ, mamãe se levanta, toma café, vai até a sala e não encontra Maira Augusta. Volta ao meu quarto e me encontra com cara de tacho, junto com uma cachorra aos meus pés. Explico que ela foi abandonada.

Minha mãe grita comigo, me chama de irresponsável, diz que a culpa é toda minha por ter virado amigo dela. "Não somos amigos" é a única coisa que digo enquanto ela surta. Repete sem cansar que é alérgica e que não vou ficar com ela. Por fim acrescenta um "você tem até a tarde para devolvê-la" então aponta para Ofélia e sai.

Permaneço sentado, junto com meu mau humor, minha indignação e meu problema Ofélia. Sei que Magu não vai pegá-la de volta, sei que seu pai, assim como a minha mãe, não quer cão algum.

Não almoço quando chega a hora, não estou com fome e por causa disso minha mãe grita outra vez comigo. Mesmo assim não como. Quando dá meio dia eu tomo banho e me arrumo para ir à aula. Pego minha mochila e vou até a cozinha, enfio uma maça na bolsa e saio sem falar tchau.

"Maria Augusta me paga", é a única coisa que consigo pensar durante o caminho até a escola. Ah sim, ela me paga, porque se eu disse que não podia ficar com a cachorra, é porque realmente não podia.

Desço do ônibus bufando, decidido a ir falar com aquela ratinha, que sai durante a madrugada sem dar explicação. Porém assim que piso no pátio do colégio, um sorriso exagerado cai sobre mim. Tento dar a volta e fingir que não a vi, mas é tarde, Samantha já está vindo em minha direção.

A Detestável Letra MOnde histórias criam vida. Descubra agora