Capítulo XXXXI

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O dia.

Quando o telefone tocou eu soube. No fundo do meu âmago eu soube.

As ligações durante a tarde nunca fizeram a minha mãe perder a cor. Nunca a fizeram tremer ao colocar o telefone de volta no gancho. Nunca a fizeram perder a voz ao olhar para mim.

Eu soube. Não eram boas notícias, não era uma ligação de alguma das minhas tias. Não era um telefonema para contar fofocas banais. Não hoje. Percebi isso no exato momento em que, por um motivo maior, eu levantei da minha cama e fui até a sala, só porque queria saber quem estava ligando. Nunca tinha feito isso antes.

Se em algum momento da minha vida eu tive sexto sentido, aquele foi o momento. Meu coração simplesmente subiu para a garganta e um nome surgiu na minha cabeça. A única pessoa com que realmente me importava, algo tinha acontecido a ela.

Maria Augusta tinha tentado outra vez.

"Como?". Queria saber como ela havia feito, mas minha mãe não respondeu, então gritei, gritei para que dissesse de uma vez. "Ela tomou alguns comprimidos".

Não perguntei se tinha dado certo, isso eu não seria capaz de ouvir, mas antes de deixar a sala, minha mãe me disse uma última coisa; "O pai dela te proibiu de ir ao enterro". Não escutei mais nada, só peguei as minhas chaves e saí da casa. Sem destino, só comecei a andar e não fui a lugar nenhum.

Já fazem horas que estou vagando pela cidade. Não enxergo nada ao meu redor, parece que estou cego, só consigo pensar nela, ela é a única coisa que queria enxergar. Consigo imaginá-la deitada em uma cama, seu corpo pálido encolhido, os curativos frescos nos braços, a sua boca roxa, mas não consigo vê-la morta. Ela está dormindo, só isso. Talvez esteja sonhando com o oceano. Maria Augusta não pode ter tirado a própria vida. Não pode ter feito isso comigo!

Mas ela já fez.

Dou mais alguns passos, o vento gelado bate em mim e ainda assim estou suando. Meus olhos ardem, eles queimam, secos como nunca estiveram. Não consigo chorar. Não consigo parar de andar, porque se eu parar, eusei que vou desmoronar. Pedaço por pedaço, tudo que há dentro de mim está sendo prensado e esmagado. O ar que respiro enche os meus pulmões, o seguro até quase desmaiar, e então solto e recomeço, repetidas vezes. Esse mesmo ar me faz lembrar que estou vivo e que vou continuar estando em mundo onde ela não existe mais. Doí. Não quero isso.

Mais dois passos e tudo faz menos sentido ainda. Só a dor é real. Ela é a única companhia aqui, porque a cidade a minha volta está vazia, tudo parece vazio. Exceto por um carro que vem subindo a rua. O vejo se aproximar e então a ideia surge. Apenas surge, como um lampejo, uma solução, o ponto final para tudo que estou sentido. Faço menção de atravessar a rua, porém o espero se aproximar o suficiente. Quero chorar, quero gritar, quero sumir com tudo que está dentro de mim, ou com tudo que deveria estar dentro de mim.

Prendo a respiração. Fecho os olhos. Será a última vez.

A Detestável Letra MOnde histórias criam vida. Descubra agora