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Desde o começo eu sabia que ela era diferente.

Mesmo quando a enxotei, sabia... mas tentara não me envolver. É claro que não queria me envolver. As memórias do que havia acontecido há tanto tempo ainda pareciam frescas. E parecia que eu não ia conseguir superar nunca.

Com ela, porém, parecia que um vento gelado passara por cima das cicatrizes e as havia curado instantaneamente. Sentou a meu lado e disse:

— O que está fazendo?

Parei o que estava fazendo. Lentamente, levantei os olhos para ver quem era: uma mulher alta, bonita, cabelos negros, olhos castanhos. Pisquei e voltei a morder a mão, tentando causar dor.

— Você me ouviu?

Concordei com a cabeça, pensando em como a mandaria embora.

— Pode me dizer o que está fazendo?

Virei para ela.

— Não. Vá embora. — Retruquei.

— Não até você me dizer o que está fazendo.

Era insistente. Esse foi um dos motivos pelo qual não foi apenas mais pessoa passageira. Eu queria que ela ficasse. Depois, é claro.

— Porque está mordendo seu dedo?

— Deu vontade. Achei que seria bonito. Entendeu? — Disse, minha boca com o gosto do sangue, a mão sem um único arranhão. Havia sangue no chão, à minha frente. Eu era capaz de me machucar, mas não de manter o ferimento. — Agora, eu ficaria feliz se você me deixasse em paz.

— Não vou embora. Não vou deixar que continue se submetendo a algo assim. — Ela levantou a mão e puxou a minha. Eu era muito mais forte, mas ainda assim ela tentou.

— Pare com isso. — Eu disse, em voz baixa.

— Pare você! Porque está fazendo isso?

— Não é do seu interesse. Faço o que quiser! – Eu disse. Numa tentativa frustrada de mandá-la embora, levantei do banco e fui até o pé do mastro que ostentava a bandeira estadunidense. Sentei-me debaixo dela e sob o Sol escaldante.

Ela levantou e me seguiu, sentando a meu lado. Suspirei e a encarei, cansado.

— O que você quer de mim?

— Que pare de ferir a si mesmo.

— Isso faz alguma diferença para você?

— Não. — Disse ela, após pensar por alguns segundos. Um vento forte bateu contra nós e seu cabelo comprido esvoaçou para os lados. Ela olhou para as pessoas à volta, visitando a Estátua da Liberdade. Estávamos na Liberty Island, atrapalhando as fotos das pessoas que queriam uma visão completa da estátua de costas. Assim como a mulher, observei o lugar por alguns segundos.

— Então por que está falando comigo? Por que não me ignora, como todos os outros? — Perguntei. Tinha parado de morder o dedo. Em outras ocasiões, não faria isso. Continuaria com minha autoflagelação.

— Porque não sou como os outros.

Outro momento de silêncio.

— Sou diferente. Assim como você.

— Eu não sou diferente.

— Deveria haver uma marca em sua mão, mas não há nada. Entendo isso. Entendo como é ser diferente. Não precisa ter vergonha de dizer quem você realmente é. Não para mim.

Agora eu MorroOnde histórias criam vida. Descubra agora