Parte Três
O PÁSSARO DA NOITE
Ficamos daquele jeito por muito tempo. Ela apoiava minha cabeça e a afagava, enquanto eu, de olhos fechados, descansava nos braços dela. Estava triste, mas feliz por ter contado a história a alguém. Nunca confiara em ninguém para tanto, e realmente não sentira necessidade. Agora estava feito.
— Vamos entrar? — perguntei, por fim.
— Sim — disse Char.
Beijei-a outra vez e me espreguicei. Não com pouca dificuldade me levantei e fiquei em pé sobre as telhas do Econo Lodge. A mulher simplesmente me observou e sorriu quando lancei minha mão em sua direção, em um floreio quase cômico, para ajudá-la a se levantar.
Quando ela estava em pé, disse:
— Espere só um segundo. — Ela olhou mais uma vez para as estrelas.
Eu não gostava tanto dos astros quanto ela. Desviei os olhos dos pontos luminosos no céu escuro sobre nossas cabeças. Olhei para o horizonte e perdi o fôlego.
— Char? — chamei, e rapidamente repeti: — Char!
— O que foi?
Apontei para um ponto luminoso em um horizonte próximo.
— Você consegue ver? — perguntei.
— Deve ser uma estrela — ela disse, mas percebi pela sua voz que ela não acreditava nas próprias palavras.
— Tão baixa?
Ela me olhou.
— Vamos até lá. Agora.
***
Desci com destreza para o lado de baixo da varanda do hotel e me desesperei quando deixei de ver a luz. Só via escuridão outra vez. Ainda assim, tinha de ir rápido até lá. Poderia provar a Char, então, que me importava com o grupo.
Quem sabe fosse alguém, não apenas uma luz.
Ajudei-a rapidamente a descer, quase a carregando para baixo. Bati com força à porta do quarto, correndo para pegar o carro, que estava mais adiante. Char ficou junto da porta.
— O que é? — perguntou Liel, de dentro.
— Vimos uma luz aqui perto. Vamos até lá — disse Char.
Ele pareceu completamente acordado, e puxou Yuma consigo. Não poderíamos deixar escapar a oportunidade de encontrar alguém tão perdido quanto nós naquele mundo caótico. Dei partida no motor do esportivo e ré para chegar o mais perto possível deles.
Quando estavam todos dentro do carro, acelerei.
Cantando pneu, saí do estacionamento, sabendo que provavelmente não voltaríamos mais lá. Liel, Yuma e Char haviam pegado nossos pertences no quarto e colocado no porta-malas. Entraram no carro e partimos.
Além disso, ainda tínhamos todo o caminho até a Flórida, até a dessalinizadora. Mas talvez a luz que eu vira fosse a solução de todos nossos problemas, pelo menos por ora.
Desviei rapidamente dos carros parados na avenida, e por pouco não acertei a traseira de um. Consegui esquivar, mas arranhei o lado do carro. Em outros momentos, meus companheiros poderiam dizer para eu diminuir a velocidade, porque poderiam morrer, caso batêssemos.
Mas ficaram calados.
Foram cerca de três quilômetros até a fonte de luz. Três quilômetros em linha reta, que a duzentos quilômetros por hora pareceram apenas dez metros, mesmo que dez terrivelmente longos metros.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Agora eu Morro
Science FictionEm uma grande cidade, quatro pessoas tentam sobreviver ao terrível ano de 2033, quando grande parte dos problemas mundiais, como a falta de água e o aquecimento global, explodem junto de uma bomba de hidrogênio em Berlim. A radiação se espalha pelo...