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Estávamos um de frente para o outro. Ela continuava me olhando como se não acreditasse no que tinha acabado de ver. Mas sabia que era verdade.

— Não posso acreditar. — Murmurou.

Eu dei de ombros.

— Você pulou do Empire State e não tem nem um arranhão. Não acredito no que vi! — Ela riu.

— Eu pularia do Burj Khalifa, se ele estivesse inteiro. — Ele fora destruído quinze anos antes. Ainda me lembrava do dia da tragédia. Fora ainda pior do que quando caíram as torres gêmeas. Nestas, 3.234 pessoas morreram. O World Trade Center tinha 110 andares. O Burj Khalifa tinha 195 andares. Ainda me lembro do dia: 11 de Outubro de 2018. Não completou nem mesmo dez anos. Nesse desastre morreram 7.823 pessoas. Foi um dia desprezível, que afetou profundamente o desenvolvimento da cidade mais cheia de extravagâncias do mundo.

— O maior arranha-céu do mundo? — Perguntou ela, satisfeita por saber de que se tratava. — Conheço por causa dos livros. O que você quer dizer com "se ele estivesse inteiro"?

— Bem, ele foi destruído em um atentado há quinze anos.

— Destruído?

Concordei com a cabeça.

— Não nos ensinaram isso nas aulas do instituto — uma careta de surpresa. — Apenas disseram que era um prédio alto. Nada mais.

— Acho que não deram a vocês a informação mais importante.

— Que estranho. Por que não nos disseram isso?

— Quem sabe tenham tentado mantê-los afastados da tristeza, da pobreza, da desumanidade da humanidade. Se é que você me entende — eu disse. — Quem sabe eu preferiria viver dentro de um instituto no qual tudo que eles faziam era para meu bem. A não ser, é claro, tirar meus órgãos.

Ela riu ligeiramente.

— E isso não aconteceu com você. Então acho que deveria estar feliz. — Tentei animá-la.

— Acho que sim — resmungou, bebendo um gole de seu café. — Mas por que eles diziam tantas coisas boas a respeito da sociedade, e nada das ruins?

— Isso você tem de perguntar a eles.

— Nunca vou voltar àquele instituto.

— Não quer saber mais sobre isso? — Perguntei.

— Quem sabe outro dia.

— Porque vocês não se rebelavam?

— Não sabíamos que estávamos em um instituto.

— Ah, como naquele filme "A Ilha", não é?

Ela me encarou, confusa.

Algumas horas mais tarde estávamos com um aparelho de DVD em mãos, além do filme. Não era muito novo, e os aparelhos eram difíceis de conseguir, mas eu tinha um de trinta anos de idade. Fora no lançamento, mas o DVD logo se tornou obsoleto. O progresso do homem tornava tudo obsoleto. Até ele próprio.

Ela comentou o filme inteiro, mostrando coisas que eram parecidas entre a história e o que ela vivera no lugar. Pelo que me pareceu, os homens que a haviam criado tinham se inspirado no filme. As coincidências eram muito grandes.

— Não sei como as pessoas de hoje não impedem essa história de clones, como acontece no filme, depois que descobrem que eles têm vida e alma. — Comentou.

— Você acha que as pessoas se preocupam umas com as outras? — Perguntei, mas ela não respondeu. — Elas só pensam em si mesmas. A humanidade de hoje é egoísta. E daí que uma pessoa terá de morrer para que eu continue vivo? Eu vou continuar vivo, então não há problema. Os valores mudaram, Char. As pessoas não são mais as mesmas.

Agora eu MorroOnde histórias criam vida. Descubra agora