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Hanno me disse muitas coisas.

Nos dias que se seguiram, ele apenas falou a respeito dos animais gigantescos que tanto me fascinavam. Contou como os comandava, como eram todos machos, como tinham as presas afiadas, argolas nos tornozelos para impedir que seus tendões fossem cortados, punhais nas trombas para atacar. Fiquei fascinado com tudo. Como criança, qualquer coisa seria capaz de me fazer ficar boquiaberto, e elefantes como aqueles, com tantos apetrechos e características, poderia me manter entretido por meses.

Foi o que aconteceu.

Meu momento de maior êxtase foi quando o capitão ofereceu:

— Quer experimentar montar nele?

Não sei por que aquele homem estava fazendo aquilo. Não sei por que estava se desviando do rumo de seu trabalho, de cuidar das tropas, de treinar os elefantes, para falar comigo e me ensinar.

No final, descobri.

Ele ainda fazia seu trabalho.

Estava me treinando.

Faria de mim um soldado exemplar. Me treinaria, quando chegasse a hora certa. Já tinha isso na cabeça desde o começo. De que adiantava ter diversos soldados sem grande aptidão para a luta? Ele precisava me treinar. Um grande guerreiro, treinado desde criança.

No começo, porém, apenas falou.

Conversamos sobre todo tipo de coisa, mas, no fundo, tudo que ele dizia tinha a ver com guerra. Até mesmo quando cresci e os treinamentos já haviam começado, falava dela. Quando lhe perguntei a respeito de garotas, ele as comparava com a guerra.

— O que você acha daquela? — perguntei. Nossa área de conversa e treinamento não era a terceira muralha da cidade, mais. Ao contrário, Hanno decidira que ele, o capitão, não poderia dar maus exemplos a mim, que julgava ser seu futuro general. Ele deveria reorganizar suas tropas. Deveria ficar sentado sobre o elefante o tempo inteiro, pronto para atacar ou defender, se necessário ou se algum de seus superiores lhe desse a ordem. Conforme passou o tempo, vi as tropas de Hanno também tornarem-se especializadas.

— Qual? — perguntou. Estávamos sentados na rua, observando a feira da cidade. — A touca na cabeça?

— Sim.

— É bonita, sim... você tem bom gosto, garoto. Mas tenha cuidado — ele disse, em um tom misterioso.

— Por que ter cuidado? — perguntei, curioso, em meus treze anos de idade.

— Garotas são perigosas — disse ele.

— Você não pode estar falando sério — eu disse, batendo em sua perna com a mão e a empurrando para o outro lado, em um sinal de que não acreditava no que ele estava falando. — É apenas uma garota. Não há perigo algum nisso.

— "Nisso" o quê?

— Ora, em namorar! — eu disse, confuso. — Você não está prestando atenção no que estamos conversando?

— Estou, sim... — disse ele. — Mas estava pensando, também, em outras coisas. Afinal de contas, só tive uma mulher na vida. E, quando ela descobriu que eu não poderia lhe dar filhos, simplesmente desapareceu. Foi embora, para procurar por alguém que a satisfizesse. Pra falar a verdade, garoto... — ele baixou a voz. — A graça não é o filho. O filho é a consequência. O que tem graça é o que pode gerar o filho.

Apenas arregalei os olhos, como que para ouvir mais, e me aproximei dele.

— Mas eu estou me desviando do assunto — ele disse, e me afastei gradualmente, decepcionado. — Você está meio novo para falarmos disso. Me peça daqui a... uns dois anos, ou coisa parecida.

Agora eu MorroOnde histórias criam vida. Descubra agora