Durante a noite que passamos na cobertura do edifício, fui surpreendido pelo som de passos. Estava sonhando acordado. Não podia fisicamente dormir, mas naquele momento estava longe dali. A vontade de ver o que trazia o som aos meus ouvidos era mínima, mas eu o fiz, sabendo que também era minha responsabilidade cuidar da proteção do grupo.
Estava muito escuro.
Madrugada. A lua já desaparecera. No corredor, tudo que podia ver era escuridão e ouvir os passos. Não chamei por ninguém, mas subi as escadas, pois o som vinha do andar de cima.
Quando alcancei o telhado, só conseguia ver o vulto da pessoa, mas é claro que era Char. Chamei seu nome.
— Char!
Ela olhou para trás, assustada.
Vi um pequeno reflexo em seus olhos. Voltou-se outra vez e começou a correr.
— O que está fazendo?
Corria na direção do precipício formado pelo topo do prédio.
— Char! — Gritei, desesperado.
Ela não parou.
— Char! Não faça isso!
Ficava cada vez mais perto do precipício, não importando o quão rápido eu corresse.
— Não salte!
Seu pé direito tocou a beirada.
— Não!
Os músculos se contraíram com o esforço.
O impulso a forçou para longe do telhado.
Gritei outra vez pelo seu nome.
Ela sequer olhou para trás.
Seu pé deixou a beirada.
Seus cabelos esvoaçaram para trás.
— Char! — Gritei uma última vez, mas ela desaparecera.
Continuei correndo.
Em segundos fiz o mesmo que ela. Saltei do topo do edifício para o precipício da rua. Ela caía mais rápido do que eu, e eu não sabia se conseguiria alcançá-la.
Ela não podia morrer. Ela prometera.
Mergulhei na direção do chão, se aproximando cada vez mais rápido. Tinha de alcançá-la de alguma maneira. Era apenas um vulto mais à frente, caindo.
Venci a resistência do ar e a alcancei.
Agarrei-a e a segurei sobre mim.
Ao chegar ao chão, senti que se quebrava como impacto de meu corpo. Minha pele se tornara tão dura e forte que superava a rigidez das placas de concreto do chão.
— Você está bem? — Perguntei à mulher que segurava apertado.
— Sim. — Ela disse, séria.
— O que você estava fazendo? — Perguntei, indignado.
Tremia.
— Eu... eu...
Levantei e a ergui do chão. Ela mal conseguia ficar em pé, de tanto que tremia. Quem sabe tivesse se machucado e não quisesse falar, ou era simplesmente o impacto emocional. Olhei em volta, lembrando subitamente de que estávamos do lado de fora. E era noite.
— Vamos, Char — disse, começando a me apressar. — É noite. Os sedentos vão aparecer daqui a pouco.
Estava com um braço em suas costas. Abaixei-me para erguê-la pela dobra de seus joelhos, mas ela se debateu e pulou fora de meus braços.
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Agora eu Morro
Science FictionEm uma grande cidade, quatro pessoas tentam sobreviver ao terrível ano de 2033, quando grande parte dos problemas mundiais, como a falta de água e o aquecimento global, explodem junto de uma bomba de hidrogênio em Berlim. A radiação se espalha pelo...