A mulher agora tinha o cobertor em volta do corpo e estava sentada, consciente, contra o apoio de braço do sofá.
— Acordou? — perguntei, como se a resposta não estivesse claramente sentada à minha frente.
— Sim, mas você estava certo — disse Char. — Ela está em choque.
— Já falou alguma coisa?
— Não.
Observamos a mulher nos encarar por alguns segundos. Ela então parecer acordar de um sonho e perceber onde estava. Seus olhos desviaram e percorreram o ambiente e ela levou as mãos ao rosto, tapando os olhos e começando a chorar.
Revirei os olhos. A culpa por ter matado alguém devia estar pesando em seus ombros. Eu nunca mais sentira pena de alguém que morria. A morte, na minha opinião, era um alívio, não uma dor ou um fardo.
Char sentou-se perto dela e abraçou-a. A mulher pousou a cabeça no peito dela como uma criança e deixou que as lágrimas rolassem pelo seu rosto. Char ficou dando tapinhas em suas costas, dizendo que estava tudo bem. Depois de algum tempo, ouvimos finalmente as primeiras palavras e a voz da mulher:
— Não está tudo bem — ela disse, em meio a soluços.
— Vai ficar tudo bem.
— Não vai. Nunca vai ficar tudo bem.
Continuou chorando por algum tempo. Quando parou, a clone perguntou:
— Qual é o seu nome?
— Yuma.
— Só Yuma?
Ela não respondeu.
— O que aconteceu, Yuma?
— Uma coisa terrível — ela respondeu, soluçando outra vez, mas conseguindo conter as lágrimas, para minha felicidade.
— O quê? — perguntou Char. — Aquele homem fez alguma coisa com você?
— Sim...
— O que ele fez?
— Ele tentou... me... — ela começou a soluçar outra vez.
— Está bem, chega — eu disse. — Sabemos o que ele fez.
— Você o conhecia?
— Era um professor... estávamos em uma visita de estudos quando disseram que a bomba estourou e alguns dos outros estudantes saíram. Não sei o que aconteceu com eles... no final sobramos eu e o professor, mas tentei ficar longe dele...
— Seu professor?
— Ele parecia ter uma obsessão por mim ou coisa parecida. Há alguns dias já vinha fazendo coisas suspeitas. E então começou... com umas histórias malucas... de que a sobrevivência humana dependia de nós... e...
Ela soluçou mais uma vez.
— Ele me beijou à força. Acho que o isolamento fez isso com ele... eu tentei fugir, mas ele me jogou no chão...
— Está tudo bem, tudo bem — disse Char, quando Yuma voltou a chorar.
— Você o matou? — perguntei.
Ela assentiu e chorou mais alto.
— Foi um bom trabalho.
Ela soluçou mais uma vez e ergueu as sobrancelhas.
— Não é qualquer um que seria capaz de fazer o que você fez.
A mulher olhou para mim, sensivelmente afetada por minhas palavras.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Agora eu Morro
Science FictionEm uma grande cidade, quatro pessoas tentam sobreviver ao terrível ano de 2033, quando grande parte dos problemas mundiais, como a falta de água e o aquecimento global, explodem junto de uma bomba de hidrogênio em Berlim. A radiação se espalha pelo...