De volta ao inferno

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Estava no meu apartamento nos Estados Unidos, já se passava da meia noite e eu, após assistir The Walking Dead, fui dormir, porém uma febre muito forte tomou conta de mim, febre igual a essa só pode ser comparada àquela que tive uma semana antes do aniversário do Rafael.

Em pensar que naquele dia aquele filha da puta tinha me dito que seria para sempre! Por que não foi para sempre? Por que ele fez o que fez?

Tomei um remédio e tive um sonho :

Comecei vendo uma cruz enorme prata, estava bem de longe e aos poucos ela foi se aproximando e quando chegou bem perto de mim o seu contorno estava em chamas, mas a cruz não se queimou. Ouvi então a voz de um homem desconhecido que repetiu durante diversas vezes a mesma frase: "Seu último dia."

Era um aviso, tenho certeza que era.

O mesmo sonho que eu tive uma semana antes daquele canalha fazer o que fez comigo. Eu já sabia que era um aviso e que provavelmente não devia ser coisa boa!

Como o sonho se repetiu pensei que devia estar com algum obsessor em cima de mim ou que talvez pudesse ser um espírito bom só querendo me avisar do que poderia estar por vir.

De qualquer modo, assim que amanheceu fui para a igreja rezar e, enquanto eu fechei os meus olhos vi essa mesma cruz. O medo tomou conta de mim, mas sabia que tudo no fim daria certo. Saí da igreja.

Liguei para os meus pais, me senti angustiada e quis saber como eles estavam. Eles disseram que estavam bem e isso me confortou. Perguntei quando eles iriam me ver porque eu estava com saudades e eles disseram que iriam passar duas semanas em Búzios e que na outra semana poderiam vir me ver! Logo fiquei animada. Iria ver os meus pais novamente!

Fui no Shopping e acabei me deparando com a cruz que eu sonhava numa loja e embora ela fosse cara (muito cara, por sinal) eu comprei. O vendedor disse que era uma jóia rara, de poucos exemplares e por isso o preço era bem alto, mas podia ser o preço de uma casa que eu dava. Eu sonhei com ela por duas vezes e a vi bem de ante dos meus olhos naquela loja. Algo me dizia que eu deveria comprar e que eu precisava de fato daquilo, como se fosse algum tipo de amuleto.

Uma semana depois, lembro que estava numa reunião de trabalho na Vogue quando Mariah, a minha secretária, resolveu interromper a reunião e me chamar :

" Mariah, o que houve?"

"Telefone para senhora. É do Brasil. É importante. É melhor atender."

"Tudo bem. Eu vou". Ela saiu da sala.

"Me desculpem pela interrupção, eu já volto. Enquanto isso vocês podem fazer um lanche. Temos chá, café e biscoitinhos amanteigados." Saí da sala.

"alô." Disse.

"Alice?"

"Sim. Eu mesma. Desculpa,não estou reconhecendo a sua voz. Quem fala?"

Estava com tanto medo dessa resposta. Imagina se ela falasse "Luana" , mas felizmente não era ela!

"Sua tia, Laís."

"Ah, Oi. Quanto tempo! Está tudo bem?"

De fato tinha ficado muito surpresa! Quantos anos que não falava com ela? Na verdade quando eu fiz essa pergunta não queria saber se ela estava bem e sim os meus pais. Ela eu pouco me importava, até quando eu morava no Brasil era difícil o nosso contato! Depois que me mudei então... aí mesmo que nunca mais falei com ela. Coisa boa que não poderia ser, mas estava curiosa em saber o motivo dessa ligação.

"Eu estou bem, obrigada. Quer dizer, mais ou menos. (Ela fez uma breve pausa. Era possivel perceber que respirou bem fundo e então continuou a falar) Só estou te ligando para dar noticias de seus pais e elas não são nada boas. Eles resolveram ir para aquela casa em Búzios de avião, o tempo não estava muito bom e o piloto perdeu o controle, o avião caiu e os três morreram no local." Disse com uma voz triste.

Comecei a chorar no telefone. Ela ignorou o meu choro e continuou a falar :

"Amanhã será o enterro e depois de amanhã a reunião para a leitura de testamento. Você tem que ir!"

Senti muita ênfase nesta última frase - você tem que ir - ela estava se referindo a minha promessa de não pisar em solo brasileiro, mas nesse caso eu tive que considerar.

" Eu vou." Disse com segurança.

"Meus pêsames. Anota o endereço e o horário do enterro."
"Ok. Anotei. Até amanhã, tia"

"Até."

Pedi licença de uma semana da revista por motivos especiais, mas que qualquer problema sério era só me avisar que eu iria tentar resolver. Queria ficar até a missa de sétimo dia no Brasil.

Isso me fez voltar no tempo e relembrar todas as dores que eu ainda não esqueci e sinto. Tentei fantasiar como seria rever o Rafael, mas preferi pensar que ele estava bem longe do Brasil, ou pelo menos daquele bairro.

Lembrei do sonho que tive e do que aconteceu dessa vez. Lembranças daquela época vieram perturbar a minha mente: meus pais, Rafael, Luana,  tudo voltou. Era como se eu tivesse voltado no tempo, mas ciente de que toda aquela felicidade iria acabar.

Entrei em pânico e comecei a chorar em casa como há muito tempo não fazia. Fiz uma ligação de vídeo conferência com o doutor Aluízio e me acalmei. Só ele para me ajudar nesses momentos! Mas de qualquer modo, resolvi tomar um calmante. Dormi profundamente.

Quando acordei, tomei o meu café da manhã e tentei não pensar para aonde eu ia. Não queria sofrer, não queria me descontrolar de novo.

Peguei o avião particular e pedi para ir direto para o enterro. Nunca tive medo de andar num avião, mas dessa vez confesso que fiquei um pouco apreensiva... afinal, foi assim que os meus pais morreram, né?

Em poucas horas cheguei no Brasil.

Lágrimas  De SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora