Capítulo 4

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– Você fez um grande estrago, hein? - Tristan apontou para um rastro de fumaça preta vindo de um dos chalés.

Algumas crianças estavam terminando de apagar algumas chamas e retirando coisas chamuscadas de debaixo dos escombros. Pareciam raivosas e tristes. Eu havia feito aquilo com o chalé deles? Mas eu nem podia chegar muito perto de fogo que tinha meus pirepaques...

– Eu fiz aquilo? - perguntei para Tristan.

Ele me olhou, resignado.

– Não consegue se lembrar? Mesmo?

Fiz que não.

– Eu nem posso chegar perto do fogo. Me dá uma coisa ruim, não sei.

– Interessante - ele murmurou, pensativo. - Vamos logo, Cabeça De Concha, estou com fome.

Fiz careta para ele, rindo.

– Cabeça...?

– Isso é coisa da Annabeth - sorriu Tristan. - É seu apelido oficial agora. Não sabia?

Gargalhei.

– Não, Sabe-Tudo, eu não sabia.

– Oba - riu ele. - Ganhei um apelido.

Tristan pisco para mim e naquele momento eu soube que ele não era tão chato quanto pensei.

O refeitório do Acampamento estava parcialmente cheio. Crianças conversavam, riam e comiam nas mesas, o que me fez lembrar o refeitório de minha última escola. Tristan me acompanhou até a mesa onde Percy acabava de se sentar com um prato cheio de comida que eu logo classifiquei como "super saudável". Onde estavam os hambúrgueres e as pizzas, afinal?

– Pepper - disse Tristan -, você deve se sentar aqui com Percy.

Meu irmão assentiu, de boca cheia.

– Cada chalé tem sua própria mesa aqui - Percy disse.

Olhei para Tristan.

– Aonde você vai se sentar? - perguntei.

– Com meus irmãos, ali - ele apontou para uma mesa não muito distante da nossa, onde os campistas comiam enquanto liam grossos livros e discutiam sobre questões polêmicas. Mesa do chalé de Atena, é claro.

Meu estômago roncou alto. Percy riu e Tristan tocou meu ombro.

– Tente não destruir nada enquanto eu estiver longe, ok? - sorriu Tristan.

Percy pigarreou.

– Ei, eu posso tomar conta dela, cara.

Tristan piscou três vezes, sem saber o que dizer.

– É claro, Percy.

Então ele se foi e eu me sentei com meu irmão. Comemos tranquilamente (uma parte de meu jantar virou fumaça para os deuses) e ficamos conversando bastante. Percy me contou sobre suas aventuras no reino de Hades enquanto tentava resgatar o Raio de Zeus, no Mar De Monstros e até no Labirinto de Dédalo! Eu confesso que fiquei fascinada e morrendo de vontade de sair numa missão. Mas Percy disse que é perigoso demais para mim, por causa da minha maldita consagração à Gaia e por causa dos monstros que eu ainda não aprendi a combater.

– Não há algum modo de retirar essa maldição de mim? Quero dizer... Gaia é do mal, não é?

– Quíron disse que não há problema ser oferecido a um titã, porque estão todos, tipo, completamente enfiados no Tártaro. Mas Gaia não é do bem, de qualquer forma. Alguns deuses podem achar que você é uma ameaça ou algo assim, esse é o problema de verdade.

Franzi a testa.

– Mas eles não sabem que estou aqui?

– Quíron disse que não. Ah, só o Sr. D, é claro. Mas ele não sabe a quem você foi oferecida.

Pousei o garfo no prato.

– Preciso contar algo para você, Percy.

Ele me encarou, esperando.

– É sobre Drew, sabe. Sobre o que aconteceu mais cedo.

– Ah, sim. Pode falar.

Mordi o lábio inferior e cruzei as mãos sobre o colo. Percy bebeu um líquido azul, sem tirar os olhos de mim.

– Drew me disse coisas bem estranhas sobre Gaia. Disse que eu tinha um dever a cumprir e que devia fazer uma coisa horrível demais... Ela chamou Gaia de Senhora Suprema, ou algo assim.

– O que Drew disse que você deve fazer?

Crispei os lábios e baixei os olhos. Não conseguia encarar Percy. Não sabendo o que queriam que eu fizesse com ele."Pai", chamei em pensamento. "Se você puder me ouvir... Por favor, me ajude. Não me deixe matar Percy!"

– Drew me disse que Gaia quer que... eu mate você.

Percy não reagiu como eu esperava. Ele não gritou, nem me encarou com espanto como pensei que faria, apenas cuspiu seu refrigerante azul e começou a tossir alto, batendo a mão no peito. Esperei, estática, até que ele se recuperasse.

– Drew disse... ela disse isso mesmo? - tossiu.

– Sim - miei, baixando os olhos para a mesa. - Ela disse que é o que Gaia quer que eu faça, que é minha parte do acordo.

– Oh. Isso é mau.

Toquei o ombro de Percy instintivamente, sentindo-me culpada mesmo não tendo feito nada. Ainda.

– Percy, eu... eu nunca faria nada que pudesse te machucar, eu juro. Você é a única família que eu tenho agora.

Ele segurou minha outra mão, a que estava sobre a mesa.

– Não esquente com isso, tá bem? Vamos ficar bem, você e eu.

Aquelas palavras não me convenceram.



Filha Das ÁguasOnde histórias criam vida. Descubra agora