Cobri as orelhas com as mãos e comecei a correr. O que aconteceu depois me deixaria com pesadelos para o resto da vida. As raízes das árvores mais próximas desprenderam-se do chão e envolveram-se em minhas pernas, derrubando-me de cara na terra. As copas das árvores agitaram-se e começaram a pender sobre mim, agarrando-me e me erguendo do chão.
Você tem uma escolha a fazer, jovem semideusa!, a voz agora era masculina e forte. Eu já a ouvira antes.
– Pai? Pai! - gritei, enquanto era arrastada pela terra. - Por favor, pai, me ajude!
Cara, como eu era patética!
Uma escolha!, gargalhou a voz feminina e doce. Que ridículo! Ela não precisa escolher. A garota me servirá para sempre para não morrer. É óbvio que o fará!
Poseidon e Gaia discutiam entre si em minha cabeça, enlouquecendo-me. As árvores ainda me arrastavam e de repente fui engolida por um tronco de árvore e escorreguei para o subterrâneo, abaixo do Acampamento. Havia terra e raízes por toda parte. Meus braços e pernas sangravam e eu tossia com força, sentindo o peito prestes a explodir.
– Socorro! Socorro! Alguém por favor me ajude!
Uma neblina brilhante tremulou diante de mim. De repente, pude ver o rosto de Hécate, me encarando com seriedade intensa.
– Eu sou a deusa das encruzilhadas - disse, suavemente. - E você, pequena heroína, tem uma importante escolha a fazer.
Me debati no espaço apertado debaixo da terra, preocupada em não sufocar. A imagem de Hécate tremulava bem perto do meu rosto, e eu queria afastá-la para bem longe. Mesmo que ela fosse minha avó, não agiu diferente de Poseidon: me ignorou e desprezou quando eu mais precisei dela para suportar a morte da minha mãe. Eu não queria mais nada com os deuses. Estava cansada de toda aquela palhaçada.
– Você está predestinada, jovem - disse Hécate, suavemente. - Mas para cumprir seu destino você precisará interromper a vida de outra pessoa.
Arquejei, furiosa.
– Não tente controlar minha escolha, Hécate! Se é que eu devo mesmo escolher alguma coisa, quero fazer por mim mesma. E eu NÃO VOU tirar a vida de ninguém!
A deusa permaneceu impassível.
– É a sua vida ou a dele, Peppermint.
Franzi a testa.
– Dele?
– Seu irmão, Percy Jackson. Você tem que escolher entre salvar a sua vida ou a dele. Não há meio termo. Não pode haver 8 semideuses na Segunda Grande Profecia.
– Mas do que é que você está falando?
Hécate materializou-se por completo e tocou meu rosto com as pontas dos dedos.
– Sete meios-sangues responderão ao chamado. Em tempestade ou fogo o mundo terá acabado. Um juramento a manter com um alento final. E inimigos às Portas da Morte, afinal.
Pisquei três vezes, confusa.
– É uma profecia de verdade?
Hécate assentiu.
– Não pode haver 8 semideuses.
– Mas... mas eu não faço parte disso. Eu não...
– Tem que haver um filho de Poseidon entre os sete. É importante.
– Então será Percy.
Hécate ergueu uma sobrancelha.
– É sua escolha final?
– Mas porque um de nós deve morrer? Isso... isso não é justo!
Hécate riu.
– Justiça é uma ilusão, criança. Os fortes não precisam disso. Você precisa?
Arregalei os olhos.
– Ora, é claro que sim! Só que isso não me torna fraca!
– Não é certo haver mais de um filho de Poseidon, menina. Não é natural. Um de vocês não devia ter nascido.
Eu. Eu não devia ter nascido. Hera disse algo parecido antes da minha viagem para o Olimpo e eu quase a acertei pelo que disse. Que droga. Mil vezes droga! Por isso Poseidon não me queria por perto? Para poupar-se da dor de me perder quando eu decidisse escolher a vida de Percy ao invés da minha? Ele não queria sofrer mas me permitiu sofrer?
– Preciso de uma resposta, Mary Elizabeth - insistiu Hécate.
– Eu tenho que escolher agora?
– Não.
Meu corpo começou a sacudir inteiro e a terra ao meu redor tremeu. E então fui cuspida para a superfície, de volta ao Acampamento. Suja, suada e sangrando.
– Aqui! - alguém gritou acima de mim. - Ela está aqui!
Mãos me alcançaram e eu fui carregada à enfermaria. Não reconheci nenhum dos rostos a minha volta. Eram semideuses, mas não os que eu conhecia e amava.
– Avisem Percy e Annabeth que ela está aqui. Falem para voltarem imediatamente! - uma voz masculina autoritária gritou. - Tristan! Tristan, ela...
– Pep?! - ouvi a voz familiar dele e suas mãos me alcançaram.
Eu quis dizer seu nome apaixonadamente, mas o que saiu foi:
– Xisdan...
– Shh. Estou aqui, estou aqui... Você está segura agora, está tudo bem.
– Oxê axonxeceu? - perguntei, a língua completamente dormente. - Onxe exá Perxi?
– Ele está bem, está tudo bem. Ele, Annabeth e Marvel saíram para procurar você. Pep, você sumiu por três dias.
Arregalei os olhos.
– Oxê?!
– Com licença - uma voz suave e feminina disse, aproximando-se. Era uma garota loura e bonita com um monte de curativos para os meus machucados.
– Oi. Que bom que você apareceu. Meu nome é Trify e eu vou curá-la, ok? Vai ficar tudo bem.
Assenti, relaxando na cama da enfermaria.
Hécate queria que eu fizesse uma escolha entre mim e meu irmão. Uma escolha entre o maior herói que o Acampamento já viu e uma maria-ninguém de quem ninguém se lembraria. Uma escolha entre viver ou morrer.
Em meu coração, essa escolha já estava mais do que feita.
Anoiteceu bem rápido naquele dia. Quase como se algum deus estivesse apressando minha decisão. Bem, ele ou ela que se controlasse. Eu já tinha feito minha escolha.
– A dor de cabeça passou? - perguntou Percy cobrindo minha testa com a palma da mão. Ele e Annabeth chegaram há algumas horas e foram logo procurar por mim na enfermaria. Agora meu irmão e eu estávamos sozinhos e ele estava tentando cuidar de mim.
– Mais ou menos - respondi, suspirando. Minha língua finalmente voltara ao normal, o que foi um alívio porque eu pude explicar a todos onde eu estive. Bem, expliquei o que pude. Caí num buraco e desmaiei, era disso que eu me lembrava. Não me pediram mais detalhes.
– Annabeth já vai trazer nosso jantar.
Esforcei-me para sorrir.
– Que bom. Estou faminta.
– Ela ficou muito preocupada com você. E eu também, Mary.
Franzi a testa, pega de surpresa.
– Do que você me chamou?
Percy deu de ombros.
– Mary Elizabeth. É o seu nome. Não sei porque você não nos contou antes.
Bufei.
– Porque eu odeio esse nome. Não tem nada a ver comigo, Percy. Nem mesmo minha mãe me chamava assim, sabe.
– Então por que ela te deu esse nome?
Dei de ombros.
– Poseidon a convenceu, eu acho. Mais um motivo para eu não gostar dele.
As sobrancelhas de Percy arquearam-se.
– Você realmente o odeia?
Baixei os olhos para minhas mãos pálidas. Como explicar o que eu sentia por meu pai? Como eu poderia gostar dele quando ele mesmo me fez escolher entre mim e meu irmão? Poseidon não se importava nem um pouco comigo!
– Quem se importa? - resmunguei. - Ele com certeza não dá a mínima para o que eu penso dele.
Percy ia protestar, mas não tinha argumentos. Nem ele podia negar o péssimo relacionamento entre mim e nosso pai. Annabeth chegou com uma bandeja de madeira cheia de comida boa. Minha boca encheu-se de água. Percy colocou a bandeja no meu colo e pegou um sanduíche para ele. Annabeth sentou-se à beira da cama, ao lado de Percy, e ficou me observando enquanto eu comia. Sua expressão era a de quem tentava desvendar um enigma.
– Onde está Tristan? - perguntei, de boca cheia. - E os meus amigos? Emilly, Marvel, Bobby... Eles vieram me ver?
Percy engoliu o pedaço de peito de peru que mastigava.
– Tristan foi dormir ali atrás, numa das camas. Ele queria ficar com você o tempo todo, mas o obrigamos a descansar um pouco.Os outros... bem, os outros saíram.
Franzi a testa, confusa.
– Saíram?
– Quíron os mandou em missão - disse Annabeth, num tom que achei um tanto suspeito. Os olhos cinzentos dela não encaravam diretamente os meus.
Engoli a comida.
– O que vocês dois estão escondendo de mim?
Eles entreolharam-se.
– Nada - a voz de Percy tremeu, mas ele sorriu para encobrir sua gafe. - Por que esconderíamos alguma coisa de você?
Dei de ombros.
– Eu não sei. Vocês estão estranhos. O que Emilly e os outros foram fazer?
Annabeth abriu a boca para responder, mas foi interrompida pela entrada barulhenta da minha enfermeira filha de Apolo, Trify Levine. Os cabelos dourados estavam presos num coque impecável e ela tinha uma prancheta nas mãos. Devia ter 17 ou 18 anos, mas parecia mais velha com toda aquela pose de médica.
– Olá, Mary Elizabeth. Como está se sentindo?
Assenti devagar.
– Bem.
– Tem alguém que quer ver você - Trify disse, um sorriso radiante brilhando nos lábios dela.
– Tudo bem.
O visitante entrou e eu não pude conter uma careta horrorizada.
Apolo.
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Filha Das Águas
Fanfiction''Minha vida era perfeitamente comum. Até que descobri que sou filha de um deus grego e que meu irmão é um semideus famoso pra caramba. Essa é minha história. Minha muito breve história.''