Capítulo 8

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Clarisse bateu com o punho na mesa.

– Estou com a enjoadinha. Essa tapada me humilhou na frente do Acampamento inteiro!

– Se ela trabalha para Gaia, deve ir embora agora - disse um garoto cujo nome eu não sabia.

Percy interferiu.

– Minha irmã não trabalha para Gaia! Que loucura! Gaia está enfiada no fundo do Tártaro e nunca vai acordar...

– Disseram o mesmo de Cronos - disse Drew, fuzilando Percy com os olhos puxados - e olha no que deu, Percy Jackson.

A sala ficou em completo silêncio.

Annabeth me encarou. Seus olhos cinzentos estavam tão tristes que a envelheceram uns dez anos. Percy estava pálido de novo.

– Creio que todos os argumentos já foram apresentados - disse Quíron. - Vamos à votação.

– Espere! - coloquei-me de pé, sentindo o coração martelar no meu peito.

Todos me encararam.

– Eu quero dizer algumas palavras, se for possível.

Quíron arqueou as sobrancelhas.

– Mas é claro, jovem.

Respirei bem fundo. Eu não era boa em discursos, mas minha vida praticamente dependia dele. Alice, minha mãe, disse certa vez que minha melhor qualidade era a sinceridade. Disse que era uma arma para as horas difíceis e que eu devia ser sempre sincera com as pessoas. Bem, eu tentaria.

– Oi, pessoal - comecei. - Sei que... sei que tudo o que Drew disse sobre o chalé de Atena e sobre a briga com Clarisse é verdade. Nem me atrevo a tentar enganar vocês com desculpas esfarrapadas. Mas algo que ela disse sobre mim é a mais pura mentira. Eu não sou serva de Gaia, eu nunca a vi e nunca tive essa curiosidade. Caso tenha prejudicado algum de vocês, peço desculpas. Estou assustada com toda essa história de semideuses e criaturas mitológicas e deuses e tudo o mais. Eu mesma tenho medo do que posso fazer. Mas peço a vocês que, por favor, não me mandem embora. Eu gostaria de uma segunda chance para provar que não sou completamente destrutiva e desastrada. Eu aprendi a gostar daqui. Eu tenho... tenho Percy aqui, ele é a única família que me restou. Tenho... tenho Annabeth e Tristan e... - corei, baixando os olhos por uns segundos. - Eu quero ser como vocês, quero... quero fazer parte dessa Família e quero ser uma heroína. Quero ser uma semideusa de verdade.

A sala de recreação foi tomada por um silêncio muito tenso. Após meu discurso de liberdade, sentei-me de cabeça baixa, entrelaçando uns dedos nos outros. Estava nervosa. Aquilo fora pior do que aqueles trabalhos de escola que a gente tem que apresentar na frente de todo mundo. Eu havia acabado de me expor completamente diante daquele pessoal que eu mal conhecia e dependia do julgamento deles para decidir o que seria da minha vida. Ótimo.

– Certo - Quíron pigarreou, desconcertado. - Agora vamos votar. Thalia?

Uma garota de expressão forte, olhos azuis e cabelos negros repicados, levantou-se. Usava uma tiara prateada na cabeça e estava cercada por uma aura brilhante da mesma cor. Tive um pouco de medo dela, mas não identifiquei nenhum comportamento maldoso de sua parte.

– Como representante do chalé de meu pai, Zeus, e tenente das Caçadoras de Lady Ártemis, eu voto para que a garota fique.

Arfei, surpresa. Thalia era filha de Zeus. Uau.

– Muito bem - Quíron assentiu. - Percy?

– Ela fica - disse meu irmão, categoricamente.

Seguiram-se então as manifestações de votos. Eu perdi as contas de quantos votos foram a meu favor e quantos foram contra. Annabeth votou para que eu ficasse. Clarisse votou para que eu saísse. Drew também. Quando o último chalé votou, Quíron bateu com o casco no chão duas vezes. Olhei para Percy. Ele sorria ligeiramente. Annabeth parecia orgulhosa, como um advogado que acaba de ganhar o caso. Isso era um bom sinal?

– O conselho votou - suspirou Quíron - e a garota permanecerá conosco.

– Mas... - Drew tentou interferir.

Quíron a cortou.

– A decisão foi tomada e não há mais nada a ser discutido hoje. Retornem às suas atividades normalmente. Dispensados!

Não pude me conter e abracei Percy, que sorria. Annabeth tocou meu ombro, sem sorrir mas satisfeita com o acontecido. Thalia, a filha de Zeus, assentiu uma vez positivamente para mim e saiu para falar com Quíron. Drew e Clarisse me fuzilaram com os olhos, mas eu não liguei. Me senti nas nuvens, mesmo que essa tenha sido uma pequena vitória.

– Eu não disse que tudo ia acabar bem? - disse alguém atrás de mim.

Tristan.

– Sim, você disse - sorri, sentindo o coração acelerar.

Ele segurou minha mão. E eu nunca mais tive medo de não ser aceita.

Passaram-se duas semanas. Duas semanas de treinos intensivos com Percy, aulas empolgantes de grego antigo com Annabeth e tardes deliciosas de canoagem com Tristan. Eu finalmente havia me integrado à rotina dos semideuses e me sentia uma de verdade. Mal podia esperar por minha primeira missão.

– Ei, vai com calma com isso, ok? - disse Percy, quando perguntei se sairíamos em missão algum dia. - Não há nada de muito empolgante numa missão.

– Ah, nem comece! Você é o semideus que mais saiu em missão.

– É, mas nem sempre é uma coisa divertida. Na maioria das vezes a gente acaba ferrado de verdade. Vai por mim.

– Ei - Tristan sentou-se conosco à beira do lago de canoagem - de que estão falando?

Eu comecei a tremer, arrumando os cabelos e a postura. Percy notou minha agitação.

– Pep quer sair em missão - disse meu irmão.

– Ah - Tristan fez careta. - Não é tudo o que você está pensando, Pepper.

Arregalei os olhos.

– Você já saiu alguma vez?

– Só uma - ele deu de ombros. - Não foi um total fracasso, mas eu falhei. Não consegui cumprir o que me solicitaram.

Eu gostava do modo de falar de Tristan. Ele falava tudo tão certinho e de um jeito tão elegante que me fazia sentir em um daqueles romances de época. Suspirei. Como eu era boba.

– Querem nadar? - perguntou Tristan, levantando-se com expectativa.

Eu fiz que sim, mas Percy sacudiu a cabeça negativamente e ficou de pé.

– Vou ver Annabeth agora - ele corou um pouco. - Divirtam-se. Ah, e Tristan...

A cabeça loura de Tristan voltou-se para meu irmão. Os dois encararam-se em silêncio por uns segundos.

– Cuide dela, tá bem? Não saia de perto dela. Você sabe o motivo, certo?

Bufei, revirando os olhos. Irmãos. Claro que Tristan cuidaria de mim, ele tem feito isso desde que cheguei ao Acampamento e não parecia disposto a parar agora.

– Pode deixar, cara - Tristan passou a mão ao redor de meus ombros, trazendo-me para mais perto dele. - Nem todos os deuses e titãs podem me separar dessa coisinha aqui.



Filha Das ÁguasOnde histórias criam vida. Descubra agora