Capítulo 4

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Sabe aquele sentimento de liberdade e alívio que vai findando a medida em que o relógio muda o seu percurso? Pois é assim que estou me sentindo neste momento.

Algumas semanas atrás nossa Revista, Acontece!, fora vendida para uma empresa de dois sócios: Charles, um doce e amor de pessoa. Sempre alegre e inteligente. O seu único defeito foi ter o Senhor Fitz - sinta meu sarcasmo ao intitulá-lo assim - como seu melhor amigo e ainda possuir a incrível, estupenda e fenomenal ideia de chamá-lo para ser sócio na compra da nossa Revista.

Já é nítido o quanto eu não vou com a cara dele, não é?

Ainda não conseguia esquecer a última conversa que tive com o Senhor Fitz, quando pegamos o elevador juntos. Aquele ar de quem sabe todas as coisas e o mais incrível dos homens existentes na terra. Ele foi extremamente petulante e ainda meio que me quis comparar com ele. Quanta ousadia!

A verdade é que aqui ninguém gosta muito dele. Todo polido, troca meia dúzia de palavras - e mal - com os funcionários, até calado ele nos irrita. Só de sentir que Fitz está respirando perto de nós já estressa. Não estou brincando.

Alguns dias atrás Clarice estava dizendo que ouviu uma conversa dele com sei lá quem - minha memória anda meio péssima esses tempos - em que o Senhor Fitz dizia que uma vez perdida a sua confiança ela é perdida para sempre.

Um segundo para eu dizer: Rá Rá Rá. Quem ele acha que é? Mr. Darcy por acaso? Só se for nos sonhos dele, pobre coitado. Sério, não entendo como o Charles aguenta um chato de galocha desse ao lado dele.

E daí que o Senhor Fitz viajou.

Fomos conhecer depois de longos e entediantes dias o que era felicidade de novo. Foi tão, tão bom. Um sentimento de leveza reinou por aqui. Ganhei até chocolate e nem era meu período de TPM.

Maaaaaaaaaaaas... Como alegria de pobre dura pouco, ou nem dura - POR QUE SENHOR??? Colei chiclete na Cruz? - Senhor Fitz volta de viagem hoje. Bem que ele podia ficar preso no aeroporto e seu voo atrasar tipo... 50 anos.

Ele vem direto, ao que parece, para um evento em que fomos convidados para cobrir. Aqueles eventos pós premiação com Dj, open bar e muito amor para dar - literalmente, se é que me entende. - Aposta quanto como ele estará nessa festa de paletó, gravata, cara amarrada e um pé no saco?


***


Mulheres e o seu velho sentimento de "eu não tenho roupa, eu não tenho roupa, eu não tenho roupa".

Joguei tudo dos cabides na minha cama - e não me pergunte com eu arrumarei essa tralha de novo depois - e só o que constato é que eu precisava ter ido fazer compras.

Tudo o que deu tempo foi de ir ao salão fazer um penteado e uma maquiagem de drag. Mentira, até que eu tô bonita, cof cof. Mas eu não me toquei que não tinha roupa para ir num evento desses. Tudo bem que é à trabalho, mas não justifica eu ir de blazer e roupa sem gracinha só por causa disso.

Preciso dar uma repaginada urgente nesse guarda-roupa. Eu seriamente preciso.

No final das contas, depois de muitos veste-tira-veste-tira-veste-olha-no-espelho-não-gosta-tira, pego um vestido preto costa nua que eu acredito nunca nem ter usado e pronto. Feliz e meio satisfeita.

Dá para o gasto.

Quem foi que disse que não dá para se divertir trabalhando? Chego na festa e OPA, lotadérrima, chiquetérrima, érrima!!!! Só gente bonita e da alta sociedade. Já chego ao som de Meghan Trainor, esse Dj é dos meus. Mais a frente avistei Charles com o Senhor Fitz conversando, que a propósito, está de paletó mas, um minuto de silêncio para a grande revelação. Tchantchantchantchaaaaaan: Sem gravata. Uma salva de palmas porque essa merece.

Para ser bem sincera, ele está bem bonito. Ok, não acredito que fiz um elogio para Senhor Fitz. Hoje chove na Cantareira*.

Acaba que sem querer dou uma boa encarada nele, porque, de um modo bem bizarro, não consigo tirar os olhos da direção onde ele está. Faço isso por minutos a fio, sem nem me dar conta que ele poderia perceber.

Nossos olhares se cruzam em um momento.Eu não consigo desviar. Ele aparentemente também não. O que há com a gente?

Gelo. Por que eu gelo? Aquele sentimento de frio na barriga que não deveria existir nesse momento.

Não sei o que ele pensou ou sentiu, mas continua demorando o seu olhar no meu. Como é difícil desviar. Parece magnetismo, bruxaria, o que seja. E assim permanecemos por mais alguns segundos, até que ele se vira novamente para Charles e tudo volta a ser como antes dentro de mim.

Ou eu penso que tenha voltado.

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*Sistema Cantareira é o maior da região Metropolitana de São Paulo, destinados a captação e tratamento de água. Nos últimos anos tem tido um baixo índice, devido a escassez de chuva, chegando a níveis extremamente menores que o normal, deixando algumas populações com seu abastecimento prejudicadas.


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Um encontro com Sr. DarcyOnde histórias criam vida. Descubra agora