Quem é Ele?

6.3K 336 149
                                    

Acordo em um local familiar. Como não reconhecer o lugar no qual estava trabalhando havia duas semanas? Acho que o meu destino é realmente ficar nessa casa, porque quando eu finalmente decido ir e recuperar o tempo perdido, vem um "ser" e me traz de volta para esse maravilhoso lugar. Ao prestar atenção nas coisas ao meu redor vejo que todos da casa estão com os olhos fixos em mim.
- Mery, você está bem? - O rosto do Sr. Igor transparece estar realmente preocupado.
- Estou, mas como eu vim parar aqui? -Olho ao redor para ver se me lembro de alguma coisa.
- Bem... essa é uma história até hilária. Hoje de manhã eu esqueci de mencionar que o meu filho mais velho viria nos fazer uma visita. E, bem... foi ele que te encontrou no meio da estrada.
Então aquele carinha bonitinho na estrada é o filho mais velho dele?
Ao pensar nele percebo que ele não está presente. Olho para todos os cantos, mas nada. De repente vejo uma sombra no canto da porta então vou seguindo a sombra  com o olhar até ver ele meio escondido atrás da porta.
Olho para ele e vejo que ele está me olhando com aqueles olhos penetrantes e incrivelmente únicos, mesmo que ele tenha herdado isso do pai, ele tem uma coisa única no olhar, uma coisa nova, como um brilho natural. Quando percebe que eu também estou olhando ele franze a testa de um jeito engraçado então sorrio. Continuo a olhar para ele mas pessoas ao me redor seguem o meu olhar revelando o esconderijo do meu "salvador".
Mesmo com todos o olhando, ele não para de me olhar nem por um segundo, o que me deixa meio curiosa. O que será que ele está pensando? Com certeza que eu sou uma pessoa meio doida, por rir assim do nada, ou pior, que eu não tenho educação, porque até agora não o agradeci por ter me salvado.
Ao me deparar com o que acabo de pensar, levanto rapidamente.
Como eu posso não tê-lo agradecido ainda?
O Sr. Igor leva um susto quando me vê levantar tão rápido.
- O que você está fazendo? - Pergunta, me empurrando para o sofá novamente.
- Eu não o agradeci.
- Ah, isso não tem importância no momento. Sente-se.

Dessa vez não consigo me desviar e, quando vejo, já estou sentada novamente naquele sofá macio. Olho para o meu salvador, desta vez séria. Ele que começa a rir, mas não é uma risada malvada, é uma risada espontânea e que me cativa completamente.
- Não precisa me agradecer. Eu só fiz o que qualquer outro faria. - Ele diz, vindo em minha direção.
- Eu agradeceria qualquer pessoa independentemente de quem fosse. Para mim, minha vida é muita preciosa, então... como você não me deixou morrer, te devo uma.
- Você faria qualquer coisa por mim, então?
- Se for importante para você, sim.
- Bom saber - ele diz sorrindo, sem tirar os olhos de mim.
- Tudo bem, vamos dormir, porque hoje foi um dia horroroso. - Diz Dona Maria.

Nossa, com toda essa confusão eu até tinha esquecido o que  aconteceu. Com certeza vou estar encrencada amanhã. Que ótimo.
- Essa é uma ótima ideia. Vamos, Mery! Vou te acompanhar até o seu quarto - Fala André.
Arregalo​ meus olhos e começo a negar com a cabeça olhando em direção a Dona Maria, e vejo que ela está com a aparência de quem está prestes a explodir. Hoje não é o meu dia de sorte.
- A única coisa que você vai fazer agora, André, é subir por aquelas escadas e dormir. - Diz sua mãe com a voz ríspida. - Imediatamente!
Viro em direção a escada e vejo que ele já está no topo; começo a sentir uma crise de risos  e não consigo me conter.
- E você, escrava, vá direto para o seu quarto. Conversaremos amanhã.
Ela realmente se dirigiu a mim dessa maneira? Sério? Okay. Agora eu estou com muita raiva e angústia ao mesmo tempo.
- Como queira, senhora.
Acho que nunca falei algo tão difícil na minha vida, minha língua começa a sentir um gosto amargo que se espalha pela minha boca. Viro em direção a cozinha e saio igual a uma desesperada para não chorar na frente dos meus "senhores". Passo pela cozinha e vou direto para o meu quartinho, que fica no canto esquerdo da cozinha, um lugar bem escondido e estreito, mas que hoje dou graças a Deus por ele existir.
Sento no chão aos pés da cama e choro, por não ter uma casa, pela saudade do meu pai, e por lembrar da cara de felicidade do meu irmão ao me vender. Aí está! O ponto inicial dessa bola de neve começou pelo ciúmes do meu irmão. Ele me vendeu ao primeiro estranho que apareceu na rua. Levanto rapidamente do chão e começo a  zanzar pelo quarto, primeiro para esquentar as partes do meu corpo que foram congeladas pelo chão frio e segundo para esclarecer minha cabeça.
Depois de uns três minutos sento na cama, pego uma espécie de travesseiro de palha e me aninho envolta dele. Eu tenho que me vingar daquele traidor que um dia eu chamei de irmão, mas como? Acabo dormindo com esse pensamento na cabeça.

- Mery! Mery! _Mery!._
Levo um susto e levando com um pulo. Corro até aporta e a abro.
- Oi. Oi. - Digo, abrindo-a.
- Mamãe quer que você faça um café e leve na sala. - Diz Ricardo. - Ela está te aguardando para ter uma conversa .
Vixi, tinha me esquecido dessa coisa. Afe.
- Não precisa fazer essa cara. - Ele pega minhas mãos. - Eu vou estar lá com você.
- Não sei se isso vai me ajudar ou não, mas por favor cumpra a sua palavra e não me deixe sozinha com a sua mãe.
Devo ter falado isso com uma cara de desespero porque ele começa a rir.
- Irei cumprir. - Ele ri.
Ainda consigo ouvir sua risada quando ele sai da cozinha.
Vou até uma mesa que fica no canto do quarto e pego um elástico, prendo meu cabelo. Quando começo a não sentir mais meus pés, olho para eles vejo que estou descalça. Meleca, esqueci de colocar sapatos aquela hora. Começo a dar pulinhos e vou ao encontro do meu sapato na beirada da cama. Depois de um tempo calço novamente os meus pés, então arrumo o quarto e vou para a cozinha.
- Era café e o que mesmo? - Penso meio alto. - Ah, é, era só isso mesmo.
Com o café já pronto vou em direção a sala. Minhas mãos começam a tremer, será que eu vou ser expulsa daqui? Será que ela vai me castigar por uma coisa que na verdade nem fui eu que fiz?
- Ai!
Filha de uma mãe. Como essa mesa foi aparecer aqui? Coitado do meu dedinho.
- Sua mesa idiota. Olha só o que você​ fez comigo. Sua coisa.
- Já acabou?
Olho para trás e vejo a senhora Maria parada, agora na minha frente. Eu com certeza já comecei esse dia bem.
- Claro. - Dou um sorrisinho forçado.
- Então me siga.
Pego a bandeja que eu coloquei em cima da mesa e a sigo.
- Eu conversei bastante com o meu marido ontem, e depois de muito tempo acabamos concordando com o que vamos fazer com você.
Ela senta no sofá e indica com o dedo onde eu devo deixar a bandeja, então deixo-a em cima da lareira e me volto para ela outra vez.
- Venha mais para perto. Quero ter certeza que você vai ouvir com clareza o que irei te dizer.
Minha barriga começa a se remexer e meus dedos a tremer. Cadê o Ricardo? Esse filho de uma mãe. Olho em todas as direções para ver se o encontro. Vejo ele escondido no mesmo lugar onde o irmão se escondeu ontem. Covarde.
- A partir de hoje você não cuidará somente da comida e limpeza da casa. Você estará encarregada da limpeza dos estábulos também. E se um dia eu a ver reclamando de alguma dessas funções a venderei para outra pessoa.
Mas o quê? Não acredito nisso. Olho para o Rodrigo, ele parece tão surpreso quanto eu.
- Pode se retirar agora. Escrava.
Me viro e vou saindo com os meus punhos fechados. Ai, se eu pudesse bater nela só um pouquinho...
- Ah, já estava me esquecendo. Meu esposo trará um peixe ainda vivo hoje para o almoço. - Viro imediatamente para ela - Não gosto de nada que não esteja fresco, sabe.
_Por isso que você é uma_, penso.
- Quero que você o mate, e o prepare para hoje no almoço.
O quê? Essa bruxa só pode estar de brincadeira. Eu nunca vou conseguir matar um peixe.
- Só mais uma coisa: mate -o e o limpe-o lá fora, senão vai ficar fedendo aqui dentro. - Diz ela com um sorriso no rosto. - Isso é tudo, pode ir embora.
Ah, como eu vou tirar esse sorrisinho do seu rosto, sua velha idiota. Vou andando contando até dez para ver se eu me acalmo, mas não adianta em nada. Eu preciso urgentemente bater em alguma coisa. Então vou batendo os pés até os estábulos e chuto igual uma louca a grama do chão.
- Mery. - Eu conheço essa voz, é o Sr. Igor. - Venha aqui.
Ah, meu Deus, o que eu vou fazer com esse peixe? Eu nunca nem toquei em um. Merda de merda de merda.
- Aqui está você. Minha esposa falou que era para ter entregar isso. - Ele estende um balde em minha direção. - Boa sorte, esse peixe já me deu muito trabalho até chegar aqui. Acho que ele sabe o que o espera.
Ah, que maravilha, como as pessoas estão me ajudando hoje, hein.
- Bem, eu estou indo. Te vejo na hora do almoço. - Diz ele indo embora, me deixando com esse peixe lindinho.
- Está bem, peixe, vamos ver o que eu vou fazer com você.
Pego o balde e logo percebo que ele está muito pesado, então dou três passos e coloco-o novamente no chão; repito isso algumas vezes até chegar a um canto isolado da casa onde tem uma mesa improvisada de madeira, um bacia e uma torneira baixinha.
Junto toda a coragem que eu tenho e coloco minhas mãos dentro do balde.
- Vamos, peixinho, eu preciso que você me ajude agora.
Ele tem uma textura estranha, áspera e lisa ao mesmo tempo. Levanto devagar com o peixe na mão, quando de repente o peixe decide se mexer. Me giro e me contorço toda para segurar o peixe, mas meus esforços são inúteis e em meros segundos vejo o peixe voar da minha mão. Ouço um barulho estranho e quando viro para trás vejo o rosto do meu salvador sendo atingido em cheio pelo peixe. O que não poderia ficar pior ficou, o peixe agora se encontra no chão se contorcendo todo enquanto o rosto do filho mais velho do Sir Igor sangra. Cubro a minha boca com as mãos e arregalo os olhos.
- Me desculpe. Me desculpe. - Digo, tentando amenizar a situação.
Então o mais estranho de tudo acontece, ele começa a rir, muito, muito mesmo. Terminando de rir ele pega o peixe do chão e coloca-o novamente no balde.
- O-o-obrigada, senhor... - Digo, finalmente tirando a mão da boca.
- Felipe. Me chamo Felipe, mas não precisa me chamar de senhor.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Aug 29, 2017 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Bela EscravaOnde histórias criam vida. Descubra agora