Câmbio, desligo!

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Li certa vez que "os mortos recebem mais flores do que os vivos, porque o remorso é mais forte do que a gratidão²⁸."

Às vezes, fico pensando em como será a minha partida, e, se meus inimigos irão para o meu funeral. Imagino todas as pessoas que me trataram mal ou me desprezaram, chorando sobre o meu caixão, enquanto tecem relatos a respeito de uma desconhecida que nunca quiseram conhecer. E, ah, não esqueceremos das muitas coroas de flores que colocarão sobre minha lápide. Tomara que não façam isso, pois sou muito alérgica ao pólen. O que eu estou pensando? Certamente não estarei mais aqui para encarar tal espetáculo dantesco.

— Alô?! Terra para Mary! — Lara infla as bochechas, fingindo estar chateada comigo. Opa! Deixei minha amiga a falar sozinha. — Como consegue desligar seus pensamentos com tanta facilidade, Mary? Estamos falando sobre as provas de admissão para a universidade, e você está fechada em um mundinho só seu...

Todos na escola estão uma pilha de nervos, debatendo pelos cantos a respeito para qual faculdade irão. Até mesmo os meus amigos. É o último do Ensino Médio, em virtude disso, a pressão pode ser sentida a quilômetros. Todos preocupados com um possível futuro que lhes é tecido diante de seus olhos primaveris. 

Estamos no refeitório da escola, em uma mesa somente nossa, com uma cadeira sobrando. Lara está uma fofura com essa nova armação de óculos que combina bem com o formato suave de seu rosto, e Jake, que finge estar comendo seu almoço, quando na verdade, desde que chegamos no refeitório, não parou um minuto sequer de escrever sua lição a punho com lápis, em folhas soltas de caderno.

 — Para qual faculdade você vai, Jake? — Lara pergunta com os olhinhos faiscando de curiosidade.

— Papai quer que eu vá para a Universidade Estadual em Portland. Mamãe discorda, e quer que eu vá para a Universidade Estadual do Oregon. Seja qual for que eu escolha, estarei a algumas boas milhas de Paradise. Acho que ambos querem que eu fique longe deles. Ter pais divorciados é complicado — Jake relata para mim e para Lara, ainda de cabeça baixa a olhar o seu dever, enquanto mordisca, entediado, a batata frita esparramada na bandeja de almoço.

— O que tanto você escreve, Jake? — indago, um tanto curiosa.

— Estou fazendo meu dever de Física, porque estive ocupado com o grêmio estudantil esses dias, e também, ocupado trabalhando na farmácia, e não consegui fazer em casa. Estou quebrando a minha cabeça para fazer os cálculos. Só queria um pouco de silêncio — ele responde, frustrado.

— Ué? Por que você não foi estudar na biblioteca da escola? — Lara questionou-o. — Lá é bem silencioso e a reforma já terminou e ela está uma verdadeira maravilha. A Oitava Maravilha do Mundo.

— Exagerada... — Jake resmunga.

— Além do mais, sabia que John Walker ajudou-me a recolocar os livros em suas devidas estantes? — Lara elogiou o outro, para o aborrecimento de Jake. Ela era ótima em cutucar o vespeiro. — Nunca vi alguém ser tão bom em ordem alfabética. Por exemplo, eu ia cometer o grande equívoco em colocar A Fazenda dos Animais²⁹, na seção "A", porém logo John explicou-me pacientemente que a organização alfabética geralmente segue a primeira letra significativa de um título. No caso de A Fazenda dos Animais, a primeira palavra significativa é "Fazenda". Portanto, ao listar os livros, A Fazenda dos Animais seria colocada na seção "F", não na seção "A". Ele é tão inteligente, né? Gentil e solicito também.

— E o que isso tem a ver? — Jake sibila, irritando, finalmente tirando os olhos de sua lição.

— Tem a ver com o quê? Só estou explicando que John evitou que eu cometesse uma gafe horrível. Eu, uma veterana do terceiro ano, não sei organizar os livros da biblioteca da escola. Ainda bem que ele estava lá para me explicar com gentileza.

Nós, em uma casca de noz!Onde histórias criam vida. Descubra agora