Todas as coisas cooperam para o bem

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Acordei desorientado com os braços para cima, como se estivesse lutando, com a respiração acelerada e a face suada. Meu walkman estava jogado ao chão, aberto, com a fita cassete sobre o carpete. Arremessei-o inconscientemente enquanto estava adormecido, batalhando para escapar de um pesadelo cruciante.

Meus pesadelos tem sempre a ver com a Mary. Vejo-a esfarelar-se por entre meus dedos, virar poeira diante de meus olhos, e nunca consigo dizer adeus para ela. Isso tem me destruído por dentro, ainda mais agora, que estamos adentrando o mês de maio, quase finalizando o terceiro ano do Ensino Médio.

O pastor Carl tem ligado uma vez ou outra para anunciar o estado de sua sobrinha. Usa de poucas e breves palavras para dizer que ela ainda está bem, embora não consiga falar ou mexer-se. Tentei dizer a ele se havia uma maneira de sua esposa permitir que víssemos a Mary, mas ao que parecia, a Sra. Ellie estava irredutível... por causa daquelas palavras tão ásperas que eu proferi no corredor do hospital para ela.

Eu e o meu grande talento em estragar tudo. Se por acaso eu não tivesse essa mania tão ridícula em explodir por nada.

Sento-me na beira da cama e retiro meus fones de ouvido que ainda estão sobre as minhas orelhas, repousando-os ao meu lado. Ainda sentado, curvo o meu corpo para a frente, ao ponto de conseguir apanhar o walkman e a fita cassete ao chão. Estou um verdadeiro bagaço, ainda sonolento, e com as pálpebras caindo sobre meus olhos, porém falta-me o sono e eu não conseguiria retornar a dormir mesmo se quisesse. Não para ter mais um pesadelo excruciante. 

Ouço batidas na porta. Era Robert que tinha uma expressão muito fatigada em seu rosto. 

— Escutei alguns barulhos no seu quarto, e vim ver se está tudo bem com você. Não caiu da cama, caiu?

Meneio a cabeça em negação. Eu estava tão profundamente agitado em meu sonho ruim que acordei a casa toda?

Vislumbro rapidamente as horas no despertador. O número um seguido pelo zero e pelo número cinco brilham na escuridão em sua intensidade avermelhada. Eram 1h05 da madrugada. 

— Desculpa por ter te acordado.

— Não faz mal. Cheguei há poucos minutos do hospital. Está uma correria, muitas crianças estão com sintomas de gripe... mas sei que você não quer me ouvir falar sobre isso.

— Não, não, por favor, continue falando.

— Você quer saber como está a sua amiga, não é mesmo?

Assinto para ele.

— Não sou da mesma ala médica onde Mary encontra-se, mas vou dizer-lhe fatos que não são nenhum pouco afagáveis — Robert suspira. — Posso sentar-me?

Confirmo e ele senta-se na minha cama, tomando o espaço ao meu lado. 

— Ela realmente não está bem, John. Vejo-a com a tia dela, sempre a ir para a ala de fisioterapia do hospital. Mary está na cadeira de rodas. Aquela pobre menina... — Robert coça os olhos, aproveitando a escuridão de meu quarto para não chorar. — Sei que estou em uma profissão da qual devemos mostrar o mínimo de apego possível ao paciente, mas essa garota carrega um brilho tão bonito dentro de si... algo inexplicável. Um brilho que todos nós carregamos, mas que um dia, acabamos por perdê-lo. 

— Acha que pode convencer a Sra. Ellie para que ela permita que eu visite a Mary?

— John, eu...

— Eu já sei o que vai dizer — aperto o tecido da minha calça em minhas mãos, tentando reprimir minhas emoções. — Que eu devo ficar em casa, que isso está fora de meu alcance, que eu não sei absolutamente nada do que ela está passando, ou como a família dela está sofrendo. Mas, pai, eu preciso ir vê-la. Mary é a minha amiga. Estou preocupado com ela e enquanto eu não for para aquele hospital, não ficarei calmo. Eu não quero ter de carregar em minha mente o peso de que eu poderia ter feito algo, e não fiz. Estou cansado de ser covarde. Eu sei que eu não posso curá-la, eu não tenho poder para isso, mas eu não quero deixá-la sozinha em um momento tão difícil. Eu prometi que cumpriria a lista dela.

Nós, em uma casca de noz!Onde histórias criam vida. Descubra agora