O que se narra aqui são apenas memórias. Memórias de uma época antiga onde eu lutava pela minha sobrevivência. Assim que caí da ponte meu corpo aqueceu e voltei a minha forma natural. Não era mais um cervo, mas sim Cernunnos. Meus olhos se fecharam e senti uma força me deixar. Minha divindade estava indo embora. Eu tinha falhado. Eu saí do caminho. Falhei com Ana. Falhei comigo mesmo. Estava tudo acabado. E tinha perdido. Fechei os olhos e adormeci.
Acordei com a luz do sol ferindo os meus olhos. Estava deitado na grama e ao meu lado estava a grande Deusa. Eu estava deitado sobre seu colo. Ela estava radiante com sua coroa de flores amarelas sobre sua cabeça. Seus lábios eram vermelhos como as maças do outono. Seu cabelo era como o ouro e seus olhos azuis como a lua. Ela sorria enquanto acariciava o meu cabelo. Sentia-me diferente. Sentia que me faltava algo. Com cuidado ergui minha mão e toquei a minha cabeça. Não senti meus chifres.
─ Mas o que...
─ Acabou meu pequeno Cernus – disse ela com um semblante amável – Não tem mais com o que se preocupar.
─ Onde eu estou? – perguntei assustado.
─ Está em casa – disse ela acariciando minha barba – Não se lembra daqui?
─Vagamente – respondi.
─ Foi aqui que nos conhecemos e nos apaixonamos – disse ela olhando em meus olhos. Foi neste bosque que nos conectamos. Que nos amamos e você se foi, deixando a sua alma dentro de mim, para que você renascesse e nos amássemos de novo meu filho, meu amado, meu cervo.
─ Sim – disse – Me lembro. Você me amou de tal forma que não consegui me desprender de você.
─ Este é o nosso destino Cernus – disse ela segurando em minhas mãos – Mas você conspirou contra o Universo. É ele quem dita às ordens, ele que entrega os caminhos.
─ Mas...
─ E veja onde estamos? – disse ela sorrindo – Onde tudo começou. Mas você não é mais um deus. Você não é mais o Grande Cervo Branco. Olhe para você! É apenas um homem. Um mortal.
─ Não pode ser verdade! – exclamei com lágrimas nos olhos.
─ Não se preocupe! – disse ela beijando a minha testa – Eu sempre estarei com você meu filho... Meu amor!
─ Minha Deusa...
Os olhos dela estavam brilhando como no primeiro dia que a vi. Os olhos dela transmitiam amor naquele momento. E eu podia senti-lo. Eu estava vivo ainda. Não como um deus, mas como um homem, e sentia o amor que os humanos sentem. E podia sentir todos os sentimentos que eles sentem. Senti o que eles chamam de saudade. Senti a dor que eles sentem que é muito diferente da nossa. Eu era um simples homem, e ela ainda me amava. Eu era o grande amor dela.
─ Eu sempre estarei com você meu pequeno cervo – disse ela com lágrimas nos olhos.
─ Eu nunca a vi chorar – disse com um aperto no coração que nunca tinha sentido antes.
─ Eu sempre te amarei – continuou ela – Você sempre será meu único amor e meu filho. Eu não aguentaria ver você envelhecer e morrer com o passar do tempo. Por isso preciso fazer isto logo.
Ela me abraçou e um calor e um poder de grandeza inexplicável começaram a consumir meu corpo. Era como se chamas consumissem a minha pele. Sentia meu coração parar de bater e meus pulmões a puxarem menos ar.
─ O que está fazendo? – perguntei com dificuldade, enquanto a minha visão ficava turva.
─ Adeus Cernunnos – disse ela deixando suas lágrimas caírem enquanto ela absorvia a minha vida - Eu o amo.
Meu corpo se tornou luz junto com o dela. Por alguns momentos conversamos. A nossa alma estava ligada e entendíamos um ao outro. Não senti dor. Na verdade não sei o que eu senti. Eu não existia mais. Meu corpo desapareceu, junto com as minhas lembranças. Tudo... Aconteceu de forma rápida. Foi como se eu nunca tivesse existido. Eu era apenas uma lenda agora.
VOCÊ ESTÁ LENDO
CERNUS - O caminho dos deuses (REVISÃO)
FantasyLIVRO 2 Sua vida pode transformar da noite para o dia, quando você descobre que é uma semideusa. As coisas podem se complicar mais ainda quando chega ao seu conhecimento que o destino da humanidade e dos deuses é sua responsabilidade. Mas o que se p...