O Presente Atrasado, Um Convite e os Pequenos Tesouros.

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DAN SMITH - JANEIRO DE 2002.

O feriado passou de forma lenta e entediante, não que a escola fosse algo que eu gostasse e morresse de saudade, mas ir pra casa dos seus avós maternos e ver todos os seus parentes olharem torto pra sua irmãzinha e ouvir suas tias cochicharem sobre aquilo ser uma audácia do seu pai era bem mais insuportável que ouvir "baleia Smith" de cinco em cinco minutos.

"Não sei como ela suporta isso, eu não conseguiria olhar para essa criança" diziam minhas tias olhando de cantinho de olho para minha irmãzinha de quatro anos sentada no meu colo.

Bem eu conseguia, e não gostava nem um pouco do jeito com que os outros faziam. Então basicamente eu exercia o meu papel de irmão mais velho e protegia minha irmãzinha brincando com ela, já que as outras crianças dessa parte da família eram instruídas a não fazerem.

Henfin aquela agonia acabou e eu podia voltar pra minha rotina nada interessante. O típico chuvisco londrino de fim de feriado caía, e como todo ano o primeiro dia do ano ainda não teria aula e eu poderia passar o dia todo na loja de discos. Minha mãe não aprovava meu "emprego", ela queria que eu tivesse amigos e aproveitasse mais o meu tempo, como explicar pra ela que ninguém queria ser amigo de uma bola rosa e nerd, e muito menos ser vista com ela por aí "aproveitando o tempo"? Meu pai adorava, e sempre dizia que era melhor do que estar engravidando alguma garota por aí, minha mãe não queria ser avó tão cedo, então ela me deixava em paz.

E o dia correu normalmente, comi besteiras e ouvi música o dia inteiro, até às exatamente as 17:00 a campainha da loja se mexeu e eu a vi entrar, sem casaco vermelho dessa vez. Ela estava com um cachecol verde o cabelo tinha algumas trancinhas, ela caminhou sorrindo em minha direção e depósitou algo embrulhado em um moleton rosa no balcão.

- Oi - ela disse meio ofegante - como foi o feriado? Eu trouxe um presente para você.

Eu deveria estar de boca aberta a uns 3 minutos, afinal de contas o que eu ia dizer?

- Vai abre - ela disse após desembrulhar o pacote e me entregar - espero que goste.

Era um embrulho com estampa de quadrinhos do Charlie Brown, o desfiz com cuidado e dei uma boa olhada no livro, tinha a capa vermelha e se lia em letras grandes e douradas "Por Quem os Sinos Dobram"

- Eu sei que tá atrasado, mas é que eu tive que viajar no feriado, sabe como é. - Ela sorriu com maior naturalidade de quem sai dando presentes de natal a estranhos. - Obrigado - Eu disse quase sussurrando - desculpe não ter nada para você. - Tudo bem, é o meu favorito, espero que goste. Ela sorria como se fosse ela quem tivesse ganhado o presente.

Eu não poderia fazer muita coisa, estava apavorado, havia uma garota linda na minha frente que não sei como havia gostado de mim e estava me dando um presente. E eu nem sabia o nome dela.

Olhei pra Dicky observando toda aquela situação de uma escada enquanto trocava o pôster do Elvis por um do Woody Guthie, era um pedido de socorro, do tipo que só amigos entendem. Ele fez uma careta engraçada e deu de ombros como se não tivesse entendendo nada, nem eu estava, peguei uma barrinha de chocolate do balcão nervosamente e deixei outras três caírem no processo.

- Aqui, não é grande coisa, mas eu prometo que encontro algo melhor - ergui a barrinha na direção dela, ela hesitou por alguns instantes e depois agradeceu. - Quer fazer alguma coisa amanhã? - Ela disse olhando ligeiramente para a porta. - Eu tenho escola. Eu disse. Que idiota. Não desistindo ela rebateu. - E depois da escola?

Eu ia dizer que tinha que vir pra loja, mas Dicky me deu um olhar de quem a qualquer momento iria me acertar com um disco.

- Tudo bem. Falei rapidamente. - Ok, me contra no balanço de foguete depois da escola.

E saiu caminhando rapidamente, Dicky desceu rapidamente observando a garota se retirar da loja e me perguntou o que diabos tinha sido aquilo e eu respondi que não tinha a mínima ideia. E não tinha mesmo.

DAN SMITH - ATUALMENTE.

Hoje eu tenho. Aquilo havia sido a primeira vez que eu havia marcado um encontro com uma garota, nada normal é claro, como tudo que vinha dela. A lembrança me faz sorrir como um bobo, e as outras pessoas nesse trem provavelmente devem achar que eu sou um tipo de doido que ver muita graça em brincar com os cadarços do próprio tênis.

Algum tempo atrás eu podia jurar que havia visto no meio da multidão, seja no metrô na rua ou em qualquer outro lugar. Os cabelos loiros balançando com o vento. Mas isso não acontece mais por agora, nem que eu queira. É como se a lembrança dela estivesse se desfazendo aos poucos com um passar dos anos, eu não consigo parar, nem deveria. Uma hora você tem que deixar certos sonhos morrerem eu sei. Não se pode nem deve ficar vivendo dentro de uma memória, mas as vezes a ideia parece ser tão atraente.

A Garota Do Casaco VermelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora