Parte II - Capitulo 3

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Acordo com um solavanco. Fiquei ereta, momentaneamente desorientada. Está escuro, e eu ainda estou presa na casa de Hades.

Alguma coisa tinha me acordado, algum barulho.

Eu olho para o despertador que estava no criado-mudo.

São quatro da manhã, suspirei.

Ao deitar novamente na cama, eu pude ouvir notas fracas vindas de um piano.

Levantei da cama, e titubeando pelo quarto escuro, eu girei a maneta da porta, vagueei calmamente pelo corredor, seguindo e ouvindo o som mágico da música melódica, que estava vindo de algum lugar próximo.

Eu reconheceria essa letra em qualquer parte do mundo.

Ao me aproximar de uma porta entreaberta eu pude ver Hades coberto pela escuridão, ele está sentado em uma bolha de luz enquanto toca.

Ele continuava apenas com sua bermuda. Seu peito nu, subia e descia, em respirações constantes.

Ele está concentrado, tocando lindamente, perdido na tristeza da música.

Eu hesito, queria voltar para meu quarto, mas a música me atrai

A melodia era tão cheia de tristeza pungente, Hades parecia perdido em tristeza.

Quando por fim decido regressar ao meu quarto, sou surpreendida por uma voz rouca, grossa, sussurrando levemente enquanto continuava tocando a mesma melodia.

"Peguei o que era meu por direito eterno.
Peguei sua alma dentro da noite
E pode ter acabado, mas não vai parar por aí
Eu estou aqui por você, se você apenas se importasse... "

Apoiei meu cotovelo sobre a porta, que agora estava completamente aberta, e me deixei ir pela voz melodiosa, triste, e ao mesmo tempo tão rouca.

Ele parecia cantar pela eternidade, como uma segunda pele de si mesmo!

Cerrei os olhos, apenas para poder apreciar.

"Você tocou meu coração, tocou minha alma
Você mudou minha vida e meus objetivos
O amor é cego e eu só soube disso quando meu coração ficou cego por você."

Seus dedos deslizaram pelas teclas brancas do piano, produzindo notas fracas

"Adeus, meu amor ..." ele murmurou

"Adeus, minha amiga
Você foi a única
Você foi a única para mim
Estou tão vazio, querida, estou tão vazio...
Estou tão, tão, tão vazio"

Ele olha para cima, e franze a testa antes de cerrar seus olhos, e continuar tocando aquela mesma melodia.

Com medo de ser pega, eu decido ir para meu quarto.

Ao deitar na cama, abraço o travesseiro, apenas de olhos fechados, fico escutando sua voz rouca no meio da escuridão, sentindo tudo o que ele quer transmitir em cada nota, a mágoa da traição, o amor machucado.

Verdades que Hades fazia questão de cuspir através daquela música melódica.

Hades era poeta..

Um poeta morto

E eu era incapaz de dar vida ao que já estava morto.

Em algum momento sem perceber eu acabo adormecendo

**

Acordei com o som suave da chuva, suas primeiras gotas caindo sobre o telhado, minha alma entra em uma melancolia ao pensar em meu pai, Amber...

O som que começa de leve, aos poucos começa a bater também na janela, embaçando os vidros.

Jogo as cobertas para longe, e vou até a enorme janela.

Fico encarando a chuva, transformando aos poucos a paisagem.

Naquele momento a janela se abriu, com uma lufada de vento repentina e gelada.

Caminhei até a varanda, para dar uma olhada lá fora.

Mas uma força invisível, me impediu de por meu pé na varanda.

"Magia".

É claro que Hades não iria arriscar que eu fugisse.

Uma onda de vento constante batia em meus braços e pernas descobertos.

Ergui meus pés para cima, e vi um punhado de folhas se agitando com a rajada e latas de lixo rolando.

Havia uma floresta ao redor, algumas casas, várias árvores decoravam o quintal de Hades, dando assim aceso a densa floresta.

Uma tempestade se aproximava, minha pele ficou arrepiada, não de frio, mas da sensação de uma tempestade iminente.

Pela primeira vez em muito tempo, eu estava adorando a chuva.

Esfreguei os braços para acalmar o arrepio.

Alguns minutos depois, o céu se fechou ainda mais com um estrondo e a chuva se intensificou.

Meu estômago roncou, estava começando a sentir fome, suspirando, caminhei a passos lentos pelo corredor, até parar na mesma sala de ontem.

Hades estava de costas, suas mãos atrás, juntas uma na outra, observando o espetáculo lá fora de relâmpagos brilhando no céu.

Eu suguei o ar devagar, a atenção dele, voltou-se para mim, assim que percebeu minha presença.

- Está com fome? Murmurou, ainda encarando a chuva.

Eu olhei pela janela, para a floresta, suspirando eu empurrei uma cadeira, me sentando de frente para a lareira, que se encontrava apagada.

- E se for o caso. Isso faria alguma diferença? - Soltei - Me deixe ir embora. - Pedi cabisbaixa.

Ele não protestou, como eu esperei que ele o fizesse. Ao invés, ele me compensou com um sorriso e se afastou, em direção do outro cómodo.

Eu olhei para o relógio pendurado na parede azul claro, ainda era bem cedo.

Lágrima Negra ( LIVRO I E II) Onde histórias criam vida. Descubra agora