Capítulo 3 - Os sapatos

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Quando Lorena abriu a porta novamente, deu de cara com o cenário anterior. As casas coladas umas às outras eram coloridas e de aspecto antigo. Abaixo dela, havia escadas estreitas e pintadas de branco. Quando olhou para trás, a porta estava fechada. Sabia que, se a abrisse, não seria a casa de Ella. A menina estava parada na porta de uma casa branca com janelas de contornos verdes.

Ela percebeu que a bolsa de couro estava pendurada transversalmente em seu corpo. Todos os objetos que Ella havia tirado do velho baú estavam lá. E o mais estranho de tudo é que ela usava um vestido vermelho que a incomodava muito. Lorena não gostava de vestidos, e quase o tirou ali mesmo. Percebeu, entretanto, que não estava com suas roupas por baixo.

Lorena desceu as escadas e olhou a rua. Um coche com dois cavalos brancos estava parado do outro lado da rua. Homens com elegantes roupas e botas brilhantes conversavam um com os outros. A maioria deles usavam barbas com cortes esquisitos. As mulheres usavam enormes vestidos rodados até os tornozelos, luvas e cabelos com complicados penteados. Outras pessoas, porém, pareciam ser mais simples. Estas passavam pelas ruas puxando burros e carregando sacos.

Fazia muito calor e a menina não sabia o que fazer. Então, olhou para o coche novamente e viu que um dos homens havia entrado. Depressa, ela atravessou a rua de pedra. Quando os cavalos estavam prestes a dar partida, Lorena se segurou em uma das barras superiores e se apoiou no pedestal do automóvel. Apesar de ser baixa, ela conseguiu se segurar firme.

Ninguém pareceu notá-la – nem o homem lá dentro, nem as pessoas que passavam pelas ruas. Lorena acenou para uma delas, mas não adiantou. Então ela teve certeza: Ninguém a via.

A menina não sabia por que estava roubando uma carona e muito menos porque estava naquele lugar esquisito.

Alguns minutos de viagem se passaram. Os braços de Lorena doíam e ela não aguentava mais as sacudidas das ruas de pedra e a poeira das ruas de terra. O lugar que chegaram parecia ser uma fazenda. Não, não era uma fazenda. Para ela, fazendas tinham vacas, cavalos, e todos os outros tipos de animais. Aquele lugar era enorme e com muitas casas diferentes – feias e bonitas – e várias pessoas pareciam trabalhar pesado. Até mesmo as vacas e os bois.

Lorena pulou do pedestal e viu o homem elegante sair do coche. Ele não a viu. Mesmo assim, ela perguntou:

- Que lugar é esse?

A pergunta era mais para ela mesma do que para o homem. Mas ele não a ouviu. Deixando-o de lado, ela começou a caminhar em direção a uma enorme e elegante casa, ainda bem distante dela. Caminhava observando as pessoas ao seu redor. Percebeu, então, que grande parte daquelas pessoas de aparência pobre e trabalhadora eram negras.

Lorena desistiu da casa grande e foi em direção à outra construção – com máquinas feitas de madeira que se moviam com a ajuda de animais e pessoas. Ela viu uma enorme roda d'água.

Quando se aproximou mais, uma pessoa pareceu finalmente vê-la. Ela ficou com medo por alguns instantes. Mas, depois, o homem negro sorriu e acenou para ela. Lorena se aproximou com passos lentos, observando suas roupas rasgadas e sujas.

- Oi. – ela cumprimentou-o timidamente.

- O que uma mocinha tão bonita como você está fazendo aqui? Onde estão seus pais?

- Meu pai está por aí. – ela mentiu. – O que você está fazendo?

O homem olhou para os lados, preocupado. Depois, pegou uma grande quantidade de palhas de cana-de-açúcar no chão e levo-o para outro lugar. Lorena o seguiu.

- Estou trabalhando, garota. Não posso parar. – disse ele. – Agora volte para seu pai. Ele não vai gostar de te ver aqui.

- Não. Ele não tem que gostar. – murmurou a menina, voltando ao lugar onde ele havia pegado as palhas. Amarrou um conjunto delas com uma cordinha que achara no chão e depois a puxou. As palhas fizeram ruídos enquanto eram arrastadas.

O homem a observou.

- O que você está fazendo? – perguntou ele.

- Estou trabalhando. – disse ela. – Não posso parar.

- Isso não é coisa para uma criança, menina. Volte para seu pai.

- Essa coisa corta. – ela apontou para a palha, ignorando o alerta do homem. – Suas mãos não se cortam?

- Já estou acostumado. – disse ele. – Tem coisa muito pior.

Então, juntos, eles deslocaram as palhas até o lugar desejado. Lorena não sabia por que fazia aquilo, só sabia que tinha que fazer.

Quando olhou para os pés do homem, cheio de cortes, ela disse:

- Porque não usa sapatos?

- Sapatos? – perguntou ele. – Eu não sou livre.

Lorena não entendeu porque aquilo justificaria a falta de sapatos, mas sorriu para ele de modo compreensivo.

- Ninguém é livre. Nem mesmo as pessoas com roupas bonitas. – ela abaixou a cabeça e pegou a bolsa de Ella. Ela puxou o par de sapatos negros e entregou ao homem. – Pra você não cortar os pés. Se você colocar duas asas em cada um dos sapatos e rezar para Hermes, quem sabe você não pode voar?

O homem, mesmo sem compreender a história dos sapatos voadores, riu com humor. Ele segurava os sapatos como se alguma coisa pudesse tirá-los de si.

- Nunca ninguém fez isso por mim, moça. – disse ele. – Como posso agradecê-la?

Lorena deu de ombros.

- Acho que só dizendo ''obrigado'' mesmo.

- Obrigado, moça.

- De nada. – ela disse. – Eu acho que agora eu tenho que ir.

O homem negro com roupas esfarrapadas deu um sorriso tão luminoso enquanto calçava os sapatos que um dos homens que vigiavam o trabalho deles o xingou. Ele voltou a trabalhar, dessa vez com os sapatos.

Lorena acenou enquanto saia. Queria poder ajudar o homem a carregar as palhas, mas ela tinha que ir embora – ou tentar voltar à casa de Ella. Sentia que ali sua missão estava cumprida, pois a bolsa estava mais leve.

Mas, enquanto saia, a menina chutou alguma coisa no chão. Ela olhou para baixo e, entre as palhas secas, viu uma chave dourada. Era maior que a palma da mão dela. Lorena a pegou e colocou na bolsa – não por achá-la bonita, mas por ter também um aspecto importante. Talvez fosse uma das chaves que Ella estava procurando.

A menina correu para a casa grande e bonita. Ela viu na varanda alguns homens com roupas bonitas fumando cachimbo enquanto observava o movimento lá embaixo. Algumas mulheres com a pele cor de chocolate serviam café.

Ela viu uma porta pequena e feia debaixo de uma das janelas da casa, mas estava trancada. Lorena pegou a chave dourada novamente e coloco-a na fechadura, encaixando perfeitamente. Quando abriu aquela porta, esperava ver a sala de Ella. Mas não foi isso que aconteceu.

Meu nome é LorenaOnde histórias criam vida. Descubra agora