A menina sentiu seu pé direito encostar-se ao chão; e, com cuidado, soltou as barras da escada e olhou para os lados. Estava ainda mais frio ali embaixo, mas Lorena não se importou muito. Só queria sair daquele lugar estranho e escuro.
Percebeu, então, que estava em um lugar abandonado, mas grande demais para ser uma casa. Era um prédio, pois tinha várias janelas de vidro quebradas e o teto era muito alto. No chão, havia muita poeira e entulhos espalhados, quase que como o monte de lixo que ela havia visto antes.
Uma chave pequena poderia estar em qualquer lugar dentro daquele prédio abandonado. Mas Lorena percebeu que as chaves só apareciam depois de ter dado os presentes às pessoas as quais ela deveria ajudar – apesar de ter achado a chave antes de dar a moeda a Tales. A menina achou aquilo estranho. Na verdade, tudo que ela estava passando era muito estranho.
Mas crianças não pensavam muito nisso. Ou ficavam com medo e paravam, ou seguiam em frente. E Lorena era valente, por isso, começou a andar pelo local abandonado, às vezes escutando o som dos morcegos acima dela. Não tinha medo de morcegos (só se eles virassem vampiros, mas ela sabia que vampiros não existiam).
As portas estavam fechadas, bloqueadas por pranchas de madeira. As escadas de madeira que levava ao andar de cima pareciam velhas demais para aguentar o peso de uma criança. Aquele prédio abandonado podia ser um cenário de filme de suspense, onde fantasmas e monstros apareciam para atacar pessoas. Lorena tinha que admitir que estava com um pouco de medo; mas não por acreditar em fantasmas ou coisas do tipo.
De repente, ela ouviu um barulho. Não era o som dos morcegos – poderia ser um deles batendo em algum lugar por acidente – mas morcegos certamente não tinham pés e nem vozes de gente.
Imediatamente ela correu para se esconder entre colunas e entulhos. Dali, ela pôde ver três homens encapuzados entrando por uma das portas que Lorena ainda não tinha visto. Eles falavam entre si, e um deles estava com uma daquelas coisas que usavam para matar pessoas nos filmes. Ou aquilo que os policiais carregavam para usar contra os ladrões. Era uma arma; agora ela tinha certeza. E não era de brinquedo.
Lorena estremeceu, olhando a porta por onde os homens haviam entrado. Eles se distanciaram dela; e a menina permaneceu em silêncio para não chamar atenção. Quando eles se afastaram, a menina correu, evitando fazer barulho. Ela não olhou para trás – tinha que alcançar a porta primeiro. Tinha medo de ser vista por eles, mesmo que ela fosse misteriosamente invisível para alguns.
Quando passou pela porta, Lorena se viu em uma rua estreita. Estava de noite e muitos outros prédios a cercava. No canto da rua, havia uma lata de lixo revirada. Mais à frente, duas pessoas estavam sentadas em cima de papelões. Apesar da blusa de lã que Ella havia lhe dado, a menina sentia um pouco de frio.
No céu escuro, não havia estrelas; o que deixava Lorena triste. Ela gostava de estrelas. Quando ela tinha três anos, nas noites mais quentes, sua mãe colocava um pano na grama e se deitava com ela para olhar as estrelas. A mãe então dizia que elas eram olhos brilhantes de anjos que protegiam crianças, e que a Lua era a mãe de todos aqueles anjos. Sua mãe era bem criativa. Mas, até hoje, Lorena acreditava nisso. Por isso ela gostava da noite, pois de dia não havia os olhos dos anjos para protegê-la.
A menina olhou para os lados. Só havia aquelas duas pessoas. Seriam elas mendigos? Lorena não gostava de ver aquelas pessoas na rua. Ficava imaginando como elas se protegiam da chuva, do frio, da fome e da sede. Ela queria ajudar, mas não sabia como. Não era adulta e nem rica para dar uma casa a elas.
Quando se aproximou, percebeu que uma delas era uma criança. A outra, um homem com barba grande e capuz. Ele abraçava a criança, que era um menino e parecia ter a idade dela. Parecia estar com frio, pois seus lábios estavam roxos. Ele vestia apenas uma blusa fina de malha, rasgada em uma das mangas. Lorena não disse nada ao ficar de frente para eles. O menino e o homem haviam visto ela, mas também não disseram nada de imediato.
De repente, após encarar Lorena, o menino disse baixinho:
- Ela também não tem casa, papai?
O pai olhou para a criança a sua frente.
- Está perdida, menina? – perguntou ele.
Lorena não sabia responder àquela pergunta, pois, ao mesmo tempo em que se sentia perdida, não estava perdida.
Ela balançou a cabeça negativamente.
- Não. – respondeu ela, olhando para o menino. – Mas ele está com frio.
O pai a encarou. Lorena, apesar de também sentir frio (principalmente nos pés, pois usava chinelos) tirou a blusa de lã preta. Ao fazer isso, sentiu seu corpo congelar. Estava realmente frio.
Ela entregou a blusa ao menino.
- Pra você. É quentinha. – disse ela.
Os lábios roxos do garoto formaram um pequeno sorriso. O pai continuava olhando para a menina, parecendo perplexo demais para falar alguma coisa. Mesmo assim, disse:
- Muito obrigado, menina. Obrigado.
Ele ajudou o filho a colocar a blusa de frio. O menino suspirou, parecendo aliviado, e se encolheu ainda mais no colo do pai. Os dedos e os braços de Lorena pareciam prestes a congelar. Mas ela sairia logo dali; quando achasse a chave.
- Poderia me ajudar em uma coisa? – perguntou ela.
O homem, sem hesitar, sorriu.
- Claro. Só não tenho comida agora. E nem dinheiro.
Ela balançou a cabeça.
- Não é isso. Estou procurando uma chave. Você viu alguma?
O homem franziu o cenho, coçando a barba por um segundo. Depois, sua expressão se suavizou. Ele colocou a mão por dentro da blusa e tirou de lá um cordão. Amarrada no cordão, estava a chave. Mas, ao invés de dourada, estava com cor de ferrugem.
Mesmo assim, Lorena a pegou quando o homem a ofereceu.
- Não sei o que quer com uma chave velha. – disse ele. – Mas é o máximo que posso lhe dar, se é o que deseja.
- Obrigada. – disse Lorena, baixinho. Ao observá-la na palma de sua mão, percebeu que ela se tornava dourada à medida que a tocava.
O homem sorriu, e o menino agora dormia com sua blusa de lã. Agora ela era quem estava com frio, mas não se importava mais.
Ela olhou para cima. Ainda não havia estrelas – apenas um avião passava, fazendo barulho. Ao voltar seu olhar para o mendigo e seu filho, se assustou: eles não estavam mais lá.
A chave, antes enferrujada e feia, agora estava completamente dourada em sua mão, como as outras. Lorena procurou pelo homem e o menino, mas eles tinha simplesmente desaparecido como se nunca estivessem ali antes.
Então, ela voltou ao prédio abandonado. Lorena não viu os três homens que haviam entrado antes. Dentro do prédio, havia várias portas, e a menina rapidamente começou a testar a chave em cada uma delas. Apenas uma fechadura aceitaria a chave em suas mãos.
Quando finalmente encaixou a chave na fechadura de uma das portas, ela ouviu passos se aproximarem. Seu coração batia rápido, pois não gostava nada daqueles homens com armas. Lorena então tirou a chave da porta ao abri-la e rodou a velha maçaneta, fechando a porta em seguida após atravessá-la.
A principio, ela não viu nada; mas logo apareceram várias crianças em um quarto com paredes desgastadas – todas vestindo uma espécie de uniforme branco com listras azuis.
Lorena não sabia o que era, mas tinha quase certeza de que não era uma festa de pijama feliz.
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Meu nome é Lorena
Fantasy🏆 Vencedor do Wattys 2017 na categoria Originais🏆 Uma porta, uma chave, uma missão. Lorena tem apenas seis anos e, ao brincar na casa dos avós de seu melhor amigo, Jimmy, ela vê uma casa de madeira- e o leitor parte para uma jornada de fantasia, m...