Capítulo 4 - A caixinha de música

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Lorena estava em uma sala com paredes brancas e um chão de madeira. Alguns idosos sentavam em sofás ou caminhavam de um cômodo para o outro. A menina havia saído de dentro de uma espécie de escritório, onde uma mulher de meia idade estava sentada em uma cadeira e lendo alguns papéis dispostos sobre a mesa. Ela não a viu. Percebeu que agora estava com suas roupas – seu pijama e a blusa de frio que Ella havia lhe emprestado. A bolsa velha continuava ali, pendurada na lateral de seu corpo. 

Aquela sala era grande e, mais a frente, tinha uma enorme porta dupla que levava para uma grande varanda. Além da varanda, havia jardins com bancos branquinhos e enfeites de jardim. Lorena atravessou aquela sala e foi para fora, onde mais idosos caminhavam aproveitando a sombra de algumas árvores. O lugar era bonito, como um parque ecológico. Em uma plaquinha disposta no meio do jardim, perto de um dos sapos de cerâmica; estava escrito: CASA DE REPOUSO. Lorena já ouvira falar naqueles lugares, pois já visitara sua avó em um lugar onde cuidavam dos idosos. Mas o lugar era feio e depressivo – a menina não gostou nada da ideia da avó ficar ali, em sua cadeira de rodas, sem nenhuma árvore ou jardim para admirar. Onde estava, entretanto, era tão agradável que ela se esqueceu por um momento o que tinha que fazer.

O que ela tinha que fazer? Ainda não sabia qual o objetivo daquilo tudo, mas de uma coisa a criança tinha certeza: Tinha que procurar outra chave dourada. Então, ela começou procurando debaixo dos sapos de cerâmica. Atrás dos bancos. Perto das árvores. Mas não viu nada. Do outro lado do jardim, havia mesas onde dois idosos estavam sentados, com suas bengalas ao lado. Ela hesitou ao se aproximar, mas se esquecera de que ninguém podia vê-la a não ser uma pessoa – aquela que ela teria que ajudar.

Os dois idosos não notaram sua presença. Era estranho ser uma criança invisível.

Ela olhou debaixo das mesas e, depois, um canteiro de plantas. Lorena procurou entre as flores vermelhas e amarelas, mas não havia nada dourado.

Então, ela parou e olhou para a enorme casa com varanda. Havia muitas janelas – provavelmente, janelas de quartos. Onde aqueles idosos dormiriam? Ela se lembrava de que a sua avó dormia em um dos quartos. E em um quarto podia ter vários lugares para se achar uma chave.

Lorena correu de volta em direção a casa e entrou, passando devagar entre aquelas pessoas. Por um momento, ficou feliz por ser criança, apesar das pessoas nunca a levarem a sério. Aquelas pessoas de idade não conseguiam correr, brincar de bola até anoitecer, subir em árvores e responder perguntas como ''O que você quer ser quando crescer?''. Pois elas já cresceram. E depois de velhas, as pessoas morriam. Iam para onde? Lorena não sabia. Ela se sentiu triste ao pensar nisso, vendo aquelas pessoas já bem velhas. A menina adorava seus avós e os avós de Jim, e não queria nunca que eles morressem... Será que ela ficaria velha também? Sua avó dizia: Todos nós ficamos velhos e morremos um dia. Mas até que não é ruim ser velha! Antigamente, nos países orientais, os idosos eram sempre consultados pelos mais novos, e respeitados até o último suspiro de vida. Eles eram sábios, e os mais novos, os aprendizes! Pena que somos apenas velhos agora, que fazem o governo gastar dinheiro...

A menina não entendeu a última parte, mas de uma coisa ela sabia: Já aprendera muita coisa com sua avó. Ela era a sábia, e Lorena, sua aprendiz. Por isso de uma coisa ela sabia: velhice não era sinônimo de morte. Sua avó era mais viva que qualquer criança – assim como Ayla e Edgar.

Lorena passou por um corredor longo e iluminado, passando por várias portas com numerações. Não sabia qual delas entrar. Por isso, resolvera procurar pela porta onde havia seu número preferido – 22 (para ela, eram dois patos). Quando o achou, a sua esquerda, encontrou a porta entreaberta. Ela a empurrou e entrou. Em uma cama larga e com lençóis brancos, uma velha fitava o teto com os olhos lacrimejados. Ao lado esquerdo da cama, havia uma cômoda com um girassol seco e declinado. Havia também uma porta branca na parede esquerda do quarto – provavelmente, um banheiro.

Lorena se aproximou da cama, e a velha mulher percebeu.

- Olá. – disse a menina.

Os olhos da velha observavam a criança. Estavam vermelhos e cansados.

- Olá, pequena. – disse e velha, abrindo um sorriso triste. Não parecia ter forças para se levantar daquela cama.

- Por que está triste? – perguntou Lorena, observando-a. De repente, ela não se parecia com uma velha, e sim com uma criança. E crianças não ficavam tristes pelos mesmos motivos que os adultos ficavam.

- Meu marido se foi. Meus filhos trabalham muito e meus netos já são moços. – disse ela. – É saudade, minha pequena. Você me faz lembrar tanto minha neta caçula!

- Por que não vamos passear lá fora? – perguntou Lorena.

- Não posso e não quero. Quero ficar aqui, apenas lembrando-me das coisas boas que eu vivia antigamente.

- Mas por que não quer ir lá pra fora? É tão bonito.

- Já passe tempo demais lá fora, criança. – disse a velha. – Não quero ver nada.

- E comer? Quer alguma coisa? – perguntou Lorena.

A velha sorriu.

- Você é tão gentil. – disse ela. – Não, eu não quero. Mas posso tocar nessas suas mãozinhas lindas?

- Claro. – Lorena colocou sua mão sobre a dela. Em sua mão esquerda, ainda havia uma aliança.

Enquanto segurava a mão fria e pequena da senhora, ela abriu a abertura da bolsa e verificou o que tinha lá dentro. O ursinho de pelúcia não seria muito útil. Nem mesmo a moeda e seu pão – ela mesma dissera que não queria nada para comer. A menina ajeitou a rosa vermelha para não amassá-la, mas não a pegou. Não parecia ser a hora. A única coisa que sobrara fora a caixinha de música.

A caixinha era rosa clara e feita de madeira. Quando Lorena a abriu, uma música começou a tocar. Uma bailarina rodava lá dentro, acompanhando a música suave e instrumental; típico das caixinhas de música. Havia um fundo que provavelmente servia para colocar joias, mas não havia nenhuma. Apenas a bailarina e a música.

A velha, que observava tudo, ficou paralisada olhando para a caixinha. Lorena colocou no colo dela, e a velha soltou sua mão. Os olhos da senhora pareceram se encher de lágrimas novamente. Não eram lágrimas de tristeza, mas de felicidade.

A música se tornou tão bonita para Lorena ao ver aquela senhora tão frágil e delicada que não fez mais nada a não ser ficar ali, ao lado dela. A velha fungava, e às vezes enxugava uma ou duas lágrimas que desciam pelas suas bochechas.

- Ah, eu amava tanto abrir essa caixinha quando era criança! – disse ela, fechando os olhos. A música continuava ecoando pelo quarto.

Não demorou muito para a velha cair no sono. As mãos que seguravam a caixinha a soltaram, e seu peito subia e descia lentamente.

Lorena pegou a caixinha de música delicadamente e a fechou, fazendo a música parar subitamente. Ela observou o rosto tranquilo da senhora e o girassol na cômoda ao lado. A menina tinha certeza de que aquela flor estava seca; quase morta, quando ela entrou no quarto. Mas agora ela estava bela, como se tivesse acabado de desabrochar. A flor apontava para a velha adormecida, com se ela fosse o próprio sol.

A criança deu a volta na cama e parou frente à cômoda. Antes de colocar a caixinha de música sobre ela, Lorena a abriu novamente. A música começou a tocar e a bailarina a rodar, mas o fundo não estava mais vazio. Ali estava a chave dourada que a menina procurava.

Lorena não pôde conter um sorriso. Ela pegou a chave e fechou a caixinha, colocando-a sobre a cômoda. Observou a porta, caminhando até ela. A menina colocou a chave dourada na fechadura e a rodou. Depois de destrancar, pegou a chave e a colocou na bolsa junto com a outra. Então, olhou para trás para se despedir silenciosamente da velha, enquanto abria a maçaneta e passava pela porta alva.

Meu nome é LorenaOnde histórias criam vida. Descubra agora