Lucas sentiu uma leve tontura. Talvez porque tivesse comido rápido demais. Comido?
Bem, tinha se servido daquela sopa rala e insípida. Mas até que o estômago parecia bem
cheio. Tinha bebido toda a água também. Um copo. Agora parecia sofrer os efeitos do
desjejum. Além da refeição, continuava a saborear seu nome. Buscava insistentemente a
familiaridade que haveria naquelas cinco letras. Absorto nesses pensamentos, foi pego de
surpresa quando a porta de frente para a sua cama abriu-se. Lembrou-se imediatamente das
batidas naquela porta de metal. Tinha alguém na sala vizinha. Pôde ver pela abertura entre as
duas salas um catre igual ao seu do outro lado da nova sala. Assustou-se quando viu surgir um
homem de cabelos longos e grisalhos pela passagem. Lucas sentou-se e cobriu o pênis nu. O
visitante vestia uma calça azul-clara e uma camisa da mesma cor com as iniciais HGSV,
serigrafadas em letras grossas num tom de azul-marinho.
— Tem uma pra você. Aí debaixo da cama. — disse o homem. Lucas, ressabiado,
demorou a desviar o olhar e baixar a cabeça para conferir embaixo de seu catre. Sobre o
chão branco encontrou duas peças iguais as que o "vizinho" envergava. Vestiu a calça
enquanto o homem de cabelos brancos e ondulados desviava o olhar, na tentativa de
diminuir o desconforto da situação. Lucas não tinha se sentido tão nu quando Ana fizera-lhe
a visita. Talvez, o fato da mulher representar o ofício de médica fizesse soar mais natural a
nudez. Talvez fosse também um protesto mudo, expor o corpo nu, para os que o mantinham
cativo naquela cela de hospital.
— Qual o teu nome? — quis saber o vizinho.
— Lucas.
O cabeludo meneou a cabeça, agora olhando-o diretamente.
— Você comeu tudo?
— Comi.
O homem aquiesceu novamente. Andou até o espelho e mexeu no cabelo despenteando,
tentando colocá-lo no lugar, assentando os fios com as mãos.
— Você ainda está com fome? O cabeludo voltou a olhá-lo.
— Tô morrendo de fome. Fome e sede. Parece que está faltando alguma coisa aqui dentro.
— disse, apontando para o estômago.
Lucas notou que o homem também estava excessivamente pálido. As unhas tinham as
mesmas cores horrorosas que as suas. Estava magro, exibindo as costelas. Era bem mais
velho. Talvez tivesse uns cinquenta anos. Deduziu que o homem sofria do mesmo mal que lhe
afligia. Deveria estar no hospital nas mesmas condições.
— E o teu nome?
— Gabriel.
— Você lembrou teu nome?
O homem balançou a cabeça afirmativamente. Parecia calmo, apesar da situação estranha
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Bento
HorrorUma noite começada como outra qualquer entra para história da humanidade quando metade dos seres humanos adormece de forma inexplicável. Tratada como uma epidemia, a doença desencadeia um caos sem precedentes nas cidades do mundo. O pesadelo parece...