Acordou com barulho novamente. Passos aproximando-se. Fachos de luz dançando no seu
campo de visão. Luz de lanterna. Fatores de risco. Pensava em fatores de risco. Tentou manter
os olhos abertos. Alcoolismo? Ninguém era trouxa de preencher esse campo com um sim. Ano
da habilitação? Família? Apertou os olhos. As luzes perto. Moveu a cabeça, estirando-a
completamente para trás. A pele do pescoço tesa. O gogó saliente. O cabelo crispado contra o
leito. Tentava ver quem vinha. Pareciam dois. Dois homens. Podia ver, de ponta-cabeça, a luz
batendo nas paredes. Pareciam recobertas por azulejos brancos. Do chão ao teto. Um hospital?
Só podia ser. Não ouvia vozes desta vez. Eles vinham em silêncio. Seriam os mesmos homens
de antes? Possivelmente. Lembrou-se que o modelo era importante. O ano. As vezes, o modelo
diferia do ano, então alterava o valor. Apertou os olhos. Por que pensava nisso agora?
Modelo? Ano? Tinha que se concentrar nos homens chegando. Tinha que se concentrar. Duas
lanternas em seu rosto. Não conseguiu manter os olhos abertos. A claridade incomodava
absurdamente. Não eram os mesmos homens. Usavam os mesmos aventais, mas não eram os de
antes. Eram mais altos e mais fortes. Usavam óculos grossos... óculos de segurança, todo feito
em acrílico. E tinham máscaras para respirar. O paciente voltou a respirar rapidamente, aflito.
Estavam tão protegidos, tomavam tantos cuidados... logo, só podia estar doente. Só podia ser
isso. Tinham os olhos diferentes. Olhos verdes. Sentiu a cama ser deslocada. Era uma maca
com rodas. Passou a deslizar pela sala. Podia ver outras macas. Deus! Sentiu um arrepio
percorrer-lhe a espinha. Apesar da penumbra... podia estar certo. Pouca luz vazando do foco
das lanternas, mas podia ver outros corpos! Mais gente... parecia gente morta. Quantas camas
existiriam? Passou por dezenas. Dezenas. E a luz das lanternas era tão fraca, não conseguia
ver muito, não conseguia ter certeza de muita coisa. Os olhos voltaram-se para o teto.
Nenhuma lâmpada. As luminárias estavam vazias. Não estavam apagadas. Estavam vazias. A
luz nunca chegava ali. Só por aquelas lanternas daqueles homens estranhos. Para onde estava
sendo levado? Pigarreou, preparando a garganta seca e teimosamente dolorida.
— Onde estou?
Os homens olharam ligeiramente para o recém-desperto. Voltaram a prestar atenção no
caminho.
— Pelo amor de Deus, não me ignorem. — reclamou o homem, pigarreando novamente. —
Onde estou? O que aconteceu comigo?
— Não podemos falar. Ainda não é hora.
— Só queria saber onde estou... por que não podem me dizer?
— Você não está preparado. Calou-se.
Continuou sendo conduzido por um extenso corredor, igualmente recoberto por azulejos
VOCÊ ESTÁ LENDO
Bento
HorrorUma noite começada como outra qualquer entra para história da humanidade quando metade dos seres humanos adormece de forma inexplicável. Tratada como uma epidemia, a doença desencadeia um caos sem precedentes nas cidades do mundo. O pesadelo parece...